Arena do Gremio: posse do terreno também é polêmica
A jornalista e ativista social Tânia Jamardo Faillace investigou todo o processo de transferência do terreno no bairro Humaitá, onde foi construida a Arena do Gremio.
A área de 38 hectares pertencia ao governo do Estado e foi vendida por R$ 50 milhões para a Humaitá Empreendimentos, controlada pela OAS.
Oito hectares estao ocupados com a Arena, no restante estão sendo construídos predios comerciais e residenciais pela OAS.
A jornalista recorreu ao Ministério Público pedindo uma investigação oficial sobre o negócio.
Ela garante: “Há inúmeras ilegalidades e houve quebra de contrato , a transferência é nula, o terreno ainda ainda é propriedade do governo, ou seja, área pública”.
Reproduzimos o relato da jornalista:.
Histórico
Em 1963, o Estado do Rio Grande do Sul doou uma área de 38 hectares, perfeitamente definida, na zona Norte de Porto Alegre, à Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul para a instalação de uma universidade do trabalho, como então se chamavam escolas profissionais técnicas em nível de Segundo Grau (tipo Escola Parobé).
O local era um banhado imprestável, a não ser para as espécies (aves) que lá faziam ninhos ou pouso de passagem, e como esponja natural de drenagem para o interior do bairro Humaitá.
A FCORS plantou no local centenas de árvores de espécies diferentes, aterrou onde era necessário, e criou uma excelente escola técnica, a Santo Inácio, com um belíssimo ginásio, permitindo o uso livre do resto do terreno pela população, como um parque popular. Havia na área oito campos de futebol de várzea, mais uma sede de cultura tradicionalista.
Situado na zona Norte, a tradicional zona industrial da cidade, a escola estava então no local certo.
Sendo uma escola particular, embora destinada à profissionalização de técnicos da classe trabalhadora, dependia em grande parte de convênios e sistema de bolsas.
Lá pelas tantas, o Estado e a Prefeitura não renovaram os convênios, e a escola passou a ter prejuízos, porque seu ensino era custoso e de alto nível (tirou mais de uma vez o segundo lugar em qualidade de ensino no Enem, segundo informação do presidente da entidade).
A construtora OAS, na ocasião – cinco ou seis anos atrás, – procurava um terreno barato para construir um estádio que pudesse oferecer (alugar/vender/permutar) ao Grêmio Futebol Portoalegrense em troca do Olímpico Monumental, cujo terreno era ambicionado para construções de luxo.
A OAS procurou os terrenos menos dispendiosos. Tentou o da Habitasul, achou caro. Procurou a FCORS.
A Federação não podia vender, nem arrendar, nem penhorar. As doações públicas são sempre condicionadas e limitadas.
O donatário não pode desistir do que faz nem mudar de ramo, ou perderá a doação, sem direito a indenizações pelas benfeitorias realizadas no local.
O então presidente do Grêmio pertencia ao staff do governo Crusius. Sabia da situação difícil da FCORS.
Elaborou-se, pois, um plano, ilegal e inconstitucional, e até delituoso, mas que foi empacotado e apresentado sob o pretexto do PAC da Copa.
A direção do clube não hesitou em colocar os interesses dos construtores acima dos interesses do clube, então em difícil situação financeira (tal e qual a FCORS),
A governadora, por outro lado, não se inibiu em passar por cima das leis do Estado e da União, e até dos interesses da educação no Estado.
a operação
A Federação não podia ser simplesmente expulsa do pedaço, porque cumpria exatamente com suas obrigações contratuais.
A governadora resolveu transferir as obrigações contratuais para outro terreno.
Em 2008, doou, pela lei 13.093 um outro terreno para a Federação, na estrada Costa Gama, no Extremo Sul do município. O terreno pertencia ao Circulo Operário de Porto Alegre, instituição privada independente da Federação.
Normalmente, para isso, ela teria antes que comprar esse terreno, desapropriá-lo ou confiscá-lo, a fim de dispor do mesmo para as suas doações.
Não poderia comprá-lo sem licitação e não tinha base legal para fazer uma licitação apenas para atender aos interesses indiretos da construtora.
Não podia desapropriá-lo, a menos que tivesse um projeto público que o exigisse, e então não teria como passá-lo adiante, e sim executar o tal projeto público.
Não podia confiscá-lo, porque não existiam dívidas fiscais que autorizassem a tomada do imóvel por dívidas.
Então, fez uma doação “de mentirinha”. O objetivo era passar os gravames para a Costa Gama e liberar o terreno de Humaitá. A Assembléia Legislativa aprovou o monstro jurídico por unanimidade, ao que se soube.
Todos os partidos, pois, foram cúmplices dessa farsa explícita, que, num país mais respeitador das leis, renderia processos criminais para todo o mundo.
Dois anos depois, a Federação comprou o mesmo terreno (que ficticiamente lhe tinha sido doado) do Círculo Operário.
Uma transação normal, a dinheiro (provável adiantamento do que viria a receber pela negociação do terreno Humaitá por parte da interessada em lá construir).
Se quisesse, a Federação poderia simplesmente ignorar os tais gravames, já que se tratava de uma compra e não de uma doação.
Não, conscienciosamente, a FCORS averbou os gravames da falsa doação, onerando o terreno comprado normalmente.
Temos aí, vários atos de falsidade ideológica, cometidos por vários personagens, a começar pelas autoridades e os poderes públicos.
Com essa compra e averbação, foi então procedido o parcelamento da área do Humaitá.
Até janeiro de 2011, havia a mesma sido dividida em quatro porções.
Duas foram vendidas à Nova Humaitá Empreendimentos Imobiliários, com sede no mesmo endereço da construtora OAS.
Duas permaneceram em poder da Federação, estas ainda com os gravames de impenhorabilidade e inalienabilidade.
Mas o assunto não estava terminado, como ainda não está.
Uma outra empresa, a Arena Portoalegrense S/A, criada para ser a dona do estádio no Humaitá, entrou no CREA com uma “Anotação de Responsabilidade Técnica”, ART.
É o pedido de licença para construir. Apresentava-se como proprietária do terreno, o que não era verdade. Naquele ano, apenas metade fora vendida à Nova Humaitá Empreendimentos, e metade permanecia com a Federação.
Essa empresa, a Humaitá Empreendimentos, com um capital social de um mil reais, dizia-se proprietária do terreno e contratante da OAS para construir um estádio de 400 milhões de reais.
Casualmente, seu endereço de então era o mesmo da construtora OAS e da Nova Humaitá Empreendimentos, na avenida Mostardeiro 366/ 802, próximo à Florêncio Ygartua.
Conclusão
O terreno legalmente continua pertencendo ao Estado, e deve ser devolvido ao mesmo, já que todas as transações assinaladas se basearam numa lei inválida, sobre informações inverídicas, e portanto devem ser reconhecidas como NULAS.
Com base nas cláusulas do contrato original de doação, houve alteração do uso do imóvel, o que caracteriza a quebra do contrato, e obriga a devolução da área ao Estado, sem direito a indenizações por benfeitorias.
Tudo o que estiver construído no local, se estivermos vivendo num Estado de Direito e de normalidade jurídica, deve ser imediatamente entregue ao Estado, sem direito a compensações ao inadimplente e seus associados.
Estão disponíveis ao acesso público, os documentos legislativos e cartoriais referentes a todos esses movimentos até janeiro de 2011, segundo a listagem constante do Adendo, mais abaixo.
Denunciado o esquema ao Ministério Público Estadual ainda em julho de 2010, e municiado esse processo com diversos adendos e fotos posteriores, o MP ainda não se pronunciou.
ADENDO
Para quem quiser comprovar pessoalmente as asserções acima, segue lista dos principais documentos a elas referentes até janeiro de 2011, e como localizá-los:
– registro de imóveis da 4ª zona de Porto Alegre, livro 3-BX, fls. 126, nº 65.646
– registro de imóveis da 4ª zona, Torrens 22.940
– registro de imóveis da 4ª zona de Porto Alegre, Livro 3-D, fls. 138, nº 6.422, data 25/03.1965
– lei estadual 13.093, de 18/12/2008
– lei estadual 4.610, consolidada com a anterior, 18/12/2008
- lei municipal 610, de 8/01/2009
– 4º tabelionato de notas de Porto Alegre, Livro 204-C, compra e venda, fls.95, nº52.657
– registro de imóveis 3ª Zona de Porto Alegre – matrícula 149.419
– registro de imóveis 4ª zona, matrícula 157.918
– registro de imóveis 4ª zona, matrícula 157.921
– registro de imóveis 4ª zona, matrícula 157.919
– registro de imóveis 4ª zona, matrícula 157.920
– ART 5473176, Arena Porto Alegrense S/A – CREA/RS, 14/09/2010
– CNPJ 10938980/0001-21 – end. Mostardeiro 366/802 – Porto Alegre, RS
– ISSQN 53677722 – Arena Portoalegrense S/A – end. Mostardeiro 366/802 – Porto Alegre, RS
– CNPJ 10938773/0001-77 – Nova Humaitá Empreendimentos Imobiliários S/A – end. Mostardeiro 366/802 – Porto Alegre, RS
– Alvará de localização 4120043 – 13/11/2009 – Construtora OAS Ltda. – end. Mostardeiro 366/802 – Porto Alegre , RS
– Alvará de localização 451892 – 17/10/2011 – Empreendimentos Imobiliários OAS26 SPE – end. Mostardeiro 366/802 – Porto Alegre, RS
Tania Jamardo Faillace, jornalista e escritora