- 15 de outubro de 2014 – Autor: Elmar Bones
Arena do Gremio: posse do terreno também é polêmica
A jornalista e ativista social Tânia Jamardo Faillace investigou todo o processo de transferência do terreno no bairro Humaitá, onde foi construida a Arena do Gremio.
A área de 38 hectares pertencia ao governo do Estado e foi vendida por R$ 50 milhões para a Humaitá Empreendimentos, controlada pela OAS.
Oito hectares estao ocupados com a Arena, no restante estão sendo construídos predios comerciais e residenciais pela OAS.
A jornalista recorreu ao Ministério Público pedindo uma investigação oficial sobre o negócio.
Ela garante: “Há inúmeras ilegalidades e houve quebra de contrato , a transferência é nula, o terreno ainda ainda é propriedade do governo, ou seja, área pública”.
Reproduzimos o relato da jornalista:.
Histórico
Em 1963, o Estado do Rio Grande do Sul doou uma área de 38 hectares, perfeitamente definida, na zona Norte de Porto Alegre, à Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul para a instalação de uma universidade do trabalho, como então se chamavam escolas profissionais técnicas em nível de Segundo Grau (tipo Escola Parobé).
O local era um banhado imprestável, a não ser para as espécies (aves) que lá faziam ninhos ou pouso de passagem, e como esponja natural de drenagem para o interior do bairro Humaitá.
A FCORS plantou no local centenas de árvores de espécies diferentes, aterrou onde era necessário, e criou uma excelente escola técnica, a Santo Inácio, com um belíssimo ginásio, permitindo o uso livre do resto do terreno pela população, como um parque popular. Havia na área oito campos de futebol de várzea, mais uma sede de cultura tradicionalista.Situado na zona Norte, a tradicional zona industrial da cidade, a escola estava então no local certo.
Sendo uma escola particular, embora destinada à profissionalização de técnicos da classe trabalhadora, dependia em grande parte de convênios e sistema de bolsas.
Lá pelas tantas, o Estado e a Prefeitura não renovaram os convênios, e a escola passou a ter prejuízos, porque seu ensino era custoso e de alto nível (tirou mais de uma vez o segundo lugar em qualidade de ensino no Enem, segundo informação do presidente da entidade).
A construtora OAS, na ocasião – cinco ou seis anos atrás, – procurava um terreno barato para construir um estádio que pudesse oferecer (alugar/vender/permutar) ao Grêmio Futebol Portoalegrense em troca do Olímpico Monumental, cujo terreno era ambicionado para construções de luxo.
A OAS procurou os terrenos menos dispendiosos. Tentou o da Habitasul, achou caro. Procurou a FCORS.
A Federação não podia vender, nem arrendar, nem penhorar. As doações públicas são sempre condicionadas e limitadas.
O donatário não pode desistir do que faz nem mudar de ramo, ou perderá a doação, sem direito a indenizações pelas benfeitorias realizadas no local.
O então presidente do Grêmio pertencia ao staff do governo Crusius. Sabia da situação difícil da FCORS.
Elaborou-se, pois, um plano, ilegal e inconstitucional, e até delituoso, mas que foi empacotado e apresentado sob o pretexto do PAC da Copa.
A direção do clube não hesitou em colocar os interesses dos construtores acima dos interesses do clube, então em difícil situação financeira (tal e qual a FCORS),
A governadora, por outro lado, não se inibiu em passar por cima das leis do Estado e da União, e até dos interesses da educação no Estado.
a operação
A Federação não podia ser simplesmente expulsa do pedaço, porque cumpria exatamente com suas obrigações contratuais.
A governadora resolveu transferir as obrigações contratuais para outro terreno.
Em 2008, doou, pela lei 13.093 um outro terreno para a Federação, na estrada Costa Gama, no Extremo Sul do município. O terreno pertencia ao Circulo Operário de Porto Alegre, instituição privada independente da Federação.
Normalmente, para isso, ela teria antes que comprar esse terreno, desapropriá-lo ou confiscá-lo, a fim de dispor do mesmo para as suas doações.Não poderia comprá-lo sem licitação e não tinha base legal para fazer uma licitação apenas para atender aos interesses indiretos da construtora.
Não podia desapropriá-lo, a menos que tivesse um projeto público que o exigisse, e então não teria como passá-lo adiante, e sim executar o tal projeto público.
Não podia confiscá-lo, porque não existiam dívidas fiscais que autorizassem a tomada do imóvel por dívidas.
Então, fez uma doação “de mentirinha”. O objetivo era passar os gravames para a Costa Gama e liberar o terreno de Humaitá. A Assembléia Legislativa aprovou o monstro jurídico por unanimidade, ao que se soube.
Todos os partidos, pois, foram cúmplices dessa farsa explícita, que, num país mais respeitador das leis, renderia processos criminais para todo o mundo.
Dois anos depois, a Federação comprou o mesmo terreno (que ficticiamente lhe tinha sido doado) do Círculo Operário.
Uma transação normal, a dinheiro (provável adiantamento do que viria a receber pela negociação do terreno Humaitá por parte da interessada em lá construir).
Se quisesse, a Federação poderia simplesmente ignorar os tais gravames, já que se tratava de uma compra e não de uma doação.
Não, conscienciosamente, a FCORS averbou os gravames da falsa doação, onerando o terreno comprado normalmente.
Temos aí, vários atos de falsidade ideológica, cometidos por vários personagens, a começar pelas autoridades e os poderes públicos.
Com essa compra e averbação, foi então procedido o parcelamento da área do Humaitá.
Até janeiro de 2011, havia a mesma sido dividida em quatro porções.
Duas foram vendidas à Nova Humaitá Empreendimentos Imobiliários, com sede no mesmo endereço da construtora OAS.
Duas permaneceram em poder da Federação, estas ainda com os gravames de impenhorabilidade e inalienabilidade.
Mas o assunto não estava terminado, como ainda não está.
Uma outra empresa, a Arena Portoalegrense S/A, criada para ser a dona do estádio no Humaitá, entrou no CREA com uma “Anotação de Responsabilidade Técnica”, ART.
É o pedido de licença para construir. Apresentava-se como proprietária do terreno, o que não era verdade. Naquele ano, apenas metade fora vendida à Nova Humaitá Empreendimentos, e metade permanecia com a Federação.
Essa empresa, a Humaitá Empreendimentos, com um capital social de um mil reais, dizia-se proprietária do terreno e contratante da OAS para construir um estádio de 400 milhões de reais.
Casualmente, seu endereço de então era o mesmo da construtora OAS e da Nova Humaitá Empreendimentos, na avenida Mostardeiro 366/ 802, próximo à Florêncio Ygartua.
ConclusãoO terreno legalmente continua pertencendo ao Estado, e deve ser devolvido ao mesmo, já que todas as transações assinaladas se basearam numa lei inválida, sobre informações inverídicas, e portanto devem ser reconhecidas como NULAS.
Com base nas cláusulas do contrato original de doação, houve alteração do uso do imóvel, o que caracteriza a quebra do contrato, e obriga a devolução da área ao Estado, sem direito a indenizações por benfeitorias.
Tudo o que estiver construído no local, se estivermos vivendo num Estado de Direito e de normalidade jurídica, deve ser imediatamente entregue ao Estado, sem direito a compensações ao inadimplente e seus associados.
Estão disponíveis ao acesso público, os documentos legislativos e cartoriais referentes a todos esses movimentos até janeiro de 2011, segundo a listagem constante do Adendo, mais abaixo.
Denunciado o esquema ao Ministério Público Estadual ainda em julho de 2010, e municiado esse processo com diversos adendos e fotos posteriores, o MP ainda não se pronunciou.
ADENDO
Para quem quiser comprovar pessoalmente as asserções acima, segue lista dos principais documentos a elas referentes até janeiro de 2011, e como localizá-los:
– registro de imóveis da 4ª zona de Porto Alegre, livro 3-BX, fls. 126, nº 65.646
– registro de imóveis da 4ª zona, Torrens 22.940
– registro de imóveis da 4ª zona de Porto Alegre, Livro 3-D, fls. 138, nº 6.422, data 25/03.1965
– lei estadual 13.093, de 18/12/2008
– lei estadual 4.610, consolidada com a anterior, 18/12/2008
- lei municipal 610, de 8/01/2009
– 4º tabelionato de notas de Porto Alegre, Livro 204-C, compra e venda, fls.95, nº52.657
– registro de imóveis 3ª Zona de Porto Alegre – matrícula 149.419
– registro de imóveis 4ª zona, matrícula 157.918
– registro de imóveis 4ª zona, matrícula 157.921
– registro de imóveis 4ª zona, matrícula 157.919
– registro de imóveis 4ª zona, matrícula 157.920
– ART 5473176, Arena Porto Alegrense S/A – CREA/RS, 14/09/2010
– CNPJ 10938980/0001-21 – end. Mostardeiro 366/802 – Porto Alegre, RS
– ISSQN 53677722 – Arena Portoalegrense S/A – end. Mostardeiro 366/802 – Porto Alegre, RS
– CNPJ 10938773/0001-77 – Nova Humaitá Empreendimentos Imobiliários S/A – end. Mostardeiro 366/802 – Porto Alegre, RS
– Alvará de localização 4120043 – 13/11/2009 – Construtora OAS Ltda. – end. Mostardeiro 366/802 – Porto Alegre , RS
– Alvará de localização 451892 – 17/10/2011 – Empreendimentos Imobiliários OAS26 SPE – end. Mostardeiro 366/802 – Porto Alegre, RS
Tania Jamardo Faillace, jornalista e escritora
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