Guardo, desde 1995, um recorte da Folha a respeito de como a Globo se homizia incestuosamente com a velha politicagem. É claro que depois, com a criação conjunta do jornal Valor Econômico entre a Folha e Globo as coisas mudaram entre os dois grupos. Agora, o que já foi uma relação incestuosa entre Globo e Políticos, virou suruba organizada pelo Instituto Millenium. Não percam, esta é uma reportagem quando ainda não existia a filosofia de Judith Brito abraçada pela ANJ para fins políticos. À época, a Folha se propunha a fazer jornalismo. Claro, seus partidários estavam no poder e Sérgio Motta previa 20 anos de PSDB no poder. As relações incestuosa da Globo com políticos foi o que hoje a Folha virou em relação ao PSDB paulista. Tanto que a Folha foi o principal veículo a detonar Aécio Neves com a história dos aeroportos de Cláudio e Montezuma. Que saudade daqueles tempos que a Folha fazia jornalismo.
Não deixe de ler o texto a seguir para sentir saudade do como se deveria tratar o objeto “informação” e “interesse público”. Não esta putaria que viraram os grupos mafiomidiáticos atuais.
Veja o dizia a Folha a Respeito da Globo quando o PSDB ainda não os unia:
Globo e políticos promovem festa incestuosa
MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
O Senado e a Câmara realizaram, esta semana, sessões de homenagem aos 30 anos da Rede Globo. Houve oradores de todos os partidos, com exceção do PDT. Parabéns ao PDT.
O "Jornal Nacional", é claro, noticiou o evento. Luiz Eduardo Magalhães, na Câmara, e Antônio Carlos Magalhães, no Senado, faziam discursos. Assistindo à cena pela TV, o que mais me chocou foi a redundância do espetáculo.
É como se tudo começasse e acabasse dentro da Globo. O poder político nasce na TV e nela desemboca. Deputados e senadores são proprietários de emissoras regionais. Como não cortejar o dr. Roberto Marinho? A promiscuidade é total. O circuito se fecha, numa cerimônia que tem algo de incestuoso.
O deputado José Genoino (PT-SP) usou de prudência em seu pronunciamento. Procurou enfocar (leia nas páginas de "O Globo" de quarta-feira) a delicadeza das relações entre Parlamento e meios de comunicação, que devem ser entendidas sem maniqueísmo.
Já Antonio Kandir, do PSDB, foi mais taxativo: "A modernização econômica (…) só é possível com parceira. E parceria só se constrói com confiança e conhecimento; e confiança e conhecimento só se conseguem com informação difundida e confiável. É isto que a Globo tem dado".
Informação confiável? Talvez eu tenha uma visão mais maniqueísta e, portanto, menos "moderna" do que seja o noticiário da Rede Globo.
Parece, hoje em dia, de mau gosto bater na tecla da "manipulação" e lembrar, por exemplo, o caso Proconsult, a espantosa recusa da emissora em noticiar os comícios pelas diretas-já; mais recentemente, a Globo segurou o quanto pôde as notícias sobre o impeachment de Collor. Sem falar no debate entre este e Lula, no segundo turno das eleições, editado pela Globo da forma mais escandalosa possível.
A manipulação é diária e explícita. Mas dizer isso, atualmente, soa "pouco moderno", tem um tom anos 60, e o monopólio de atitudes como essa cabe a Leonel Brizola. Bendita falta de modernidade, excelente maniqueísmo, saudável atraso.
O problema é que as denúncias caem no vazio. Não me esqueço do documentário sobre a emissora, feito pela – BBC-Channel Four. Entrevistavam um casal de favelados. O sujeito dizia: aqui em casa, só assistimos à Globo. Manipulação? Ah, claro, respondia o entrevistado. A gente sabe que a Globo distorce as coisas, mas…
Isto é o mais espantoso. Não se espera do jornalismo da emissora independência, espírito crítico ou isenção. A manipulação da realidade é apenas… um dado da realidade, e o oficialismo de Alexandre Garcia, o automatismo de Cid Moreira são tão naturais e previsíveis como o fato de um membro do governo dar declarações favoráveis ao governo.
É que talvez as pessoas não assistam ao noticiário da Globo para "informar-se". Trata-se de ver, sob forma de notícia, uma confirmação do cotidiano, a reiteração de que tudo está no seu lugar: Clinton na Casa Branca, Fernando Henrique no Planalto, a top model em Paris, o guerreiro na Bósnia, o traficante no morro, o dr. Roberto Marinho numa competição de hipismo e Cid Moreira na tela.
Claro que quem chega em casa, depois de um dia de trabalho, não espera outra coisa: que os móveis estejam no lugar de sempre e as panelas no fogão. O conteúdo do noticiário tem, provavelmente, valor semelhante ao das previsões do tempo. A gente presta atenção, todo dia, ao boletim meteorológico -mas quem se lembra de conferir se a previsão estava certa ou errada? Do mesmo modo, quem se lembra do que a Globo ocultou ou omitiu na semana passada?
Num artigo sobre novelas, há algum tempo, escrevi que serviam como espécie de eletrodoméstico psicológico. O que há de hipnótico nelas não é o que tenham de emocionante, não é o suspense folhetinesco, e sim as cenas em que nada acontece, a rotina de ver Fulaninha tomando café da manhã, Beltraninho fazendo jogging, Sicrana fofocando; importa ver a mocinha frívola mostrando que é mocinha frívola, o coronel garanhão mostrando que é coronel garanhão.
As pessoas ligam a televisão, supostamente, para distrair-se; para fugir às tensões do cotidiano. Ocorre que a TV oferece uma fuga do cotidiano que é cotidiana também. A fuga da rotina é outra rotina; é a mesma rotina. Mais falsa, entretanto, porque, além de ser rotina, tem de "parecer" rotina, tem de acentuar os próprios traços. Uma máscara de gesso, aplicada sobre o rosto de uma pessoa, reproduz os seus traços, mas não é um retrato daquela pessoa.
Desse ponto de vista, é preciso todavia tomar com cuidado o termo "manipulação". Uma coisa seria se o dr. Roberto Marinho se convertesse ao espiritismo e passasse a orientar os programas de sua emissora com o objetivo de divulgar os ensinamentos de Alan Kardec. Teríamos, nesse caso, manipulação ativa, proselitismo. A Globo não manipula desse modo; trata-se mais de filtrar a realidade e mesmo de acompanhar, paquidermicamente, as mudanças nos costumes e na sociedade.
Acho até que o papel de uma rede nacional, passando programas "modernos" nos cafundós mais arcaicos do país, é civilizatório. Ao lado da lógica do poder político, das injunções do oficialismo, há também a lógica do lucro, da propaganda, do consumo.
Coronéis e garotas emancipadas, fisiologismo e pílula anticoncepcional, miséria e carros importados, José Genoino e Inocêncio de Oliveira, a Globo incorpora tudo, mas se contradiz; produz uma gelatina transparente, onde os pedaços da realidade brasileira são todos visíveis, mas não se movem.
Trata-se menos de um foco de poder, de uma organização privada, de uma empresa com interesses específicos, e mais de uma instituição supragovernamental. Não faz sentido dizer que Roberto Marinho é governista: a Globo é o governo, é mais do que o governo: a Globo industrializa, refabrica, plastifica aquilo que se entende por governo e aquilo que o governo tenta governar. Às vezes não dá certo; mas não faz mal, porque ninguém percebe.