O TCU quer rever o passado?
08 de maio de 2011 | 0h 00
– O Estado de S.Paulo
O Tribunal de Contas da União (TCU) enveredaria por um terreno muito perigoso, se prevalecesse a proposta encampada pelo ministro Walton Alencar Rodrigues de rever os primeiros contratos de concessão de rodovias, firmados na década de 1990. A questão remonta a 2007, quando técnicos do TCU questionaram o fato de as concessionárias operarem com uma rentabilidade anual de 17% a 24% acima da inflação. Como o Estado noticiou (4/5), a proposta, que estava em pauta naquela Corte, não prosperou, graças ao alerta do ministro Raimundo Carreiro de que ela representava uma quebra unilateral de contratos, e teria consequências judiciais. Mais: a revisão de contratos, quando não há irregularidades, é incompatível com o Estado de Direito. Se acatada pelo plenário do TCU, repercutiria negativamente sobre a imagem do Brasil, além de causar grandes prejuízos à sociedade, em uma fase em que o País precisa de parcerias com o setor privado para levar a cabo as grandes obras de infraestrutura de que carece.
O presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, deixou claro que não compactua com a proposta de revisão, que não está prevista nos primeiros contratos de concessão de rodovias, incluindo a Nova Dutra entre São Paulo e Rio, ponte Rio-Niterói, a Rio-Juiz de Fora, a Rio-Teresópolis e trechos no Rio Grande do Sul. Se o TCU chegar a determinar modificações nos contratos, disse ele, a ANTT vai recorrer à Justiça, como devem certamente fazer também as partes afetadas.
Segundo analistas, se houvesse revisão, o TCU estaria extrapolando de suas funções, já que não é de sua alçada introduzir novas cláusulas em contratos já firmados há anos com o governo federal e que configuram atos jurídicos perfeitos. Se, eventualmente, no exercício de suas funções fiscalizadoras dos gastos públicos, o TCU detectasse irregularidades no cumprimento dos contratos, poderia intervir e até suspendê-los. Mas não lhe cabe questionar se uma concessão ou privatização está sendo mais ou menos rentável para as empresas vencedoras de concorrências públicas ou leilões.
A rentabilidade, como bem mostram outras concessões de serviços públicos, particularmente no setor elétrico, não depende exclusivamente do valor da tarifa ou pedágio cobrado aos usuários. Basicamente, ela resulta da capacidade de gestão das empresas, que compreende emprego de pessoal qualificado, boa administração financeira e uso de técnicas modernas.
Não procede a comparação com as taxas de retorno de concessões mais novas e que giram em torno de 8,95%. É preciso levar em conta que, na época em que foram realizados os primeiras contratos para administração privada de rodovias, a inflação estava em patamares muito elevados, assim como as taxas de juros, e pesados investimentos se faziam necessários para melhoria das condições de tráfego. Concorrências foram feitas, de acordo com a lei e com a modelagem estabelecida pelo governo, e as vencedoras se dispuseram a arcar com os riscos de um novo tipo de negócio.
Nos últimos dez anos, muita coisa mudou e há mais empresas interessadas em participar de licitações de rodovias, havendo, portanto, mais competição, o que se reflete no preço do pedágio. Além disso, como afirma a Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR), as taxas de retorno menores fixadas na segunda etapa de concessão das rodovias, em 2007, podem ser atribuídas também à situação macroeconômica melhor do País e às condições generosas de financiamento oferecidas pelo BNDES.
Fala-se em um impasse no TCU, aventando-se como solução uma negociação com as concessionárias. Para isso, seria preciso que as empresas concordassem. Uma das concessionárias argumenta que sua taxa de retorno é de 12%, nível considerado razoável. De qualquer forma, um entendimento satisfatório para as partes não parece ser de competência do Tribunal.
O que se pode exigir das empresas é um melhor padrão de qualidade para os usuários, o que cabe à ANTT, que já baixou portaria estabelecendo novos níveis de investimento nas rodovias privatizadas.