Ficha Corrida

08/12/2014

Grão-tucano contra a “prisão voluntária”

Filed under: Kant,Miguel Reale Junior,Rousseau — Gilmar Crestani @ 9:02 am
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verdades_e_mentirasAos que defendem a prisão como método para se obter uma confissão, confesso: “preso, não sei o que diria se com isso voltasse à liberdade”. Pensem nisso: quem, uma vez preso, não diria o que lhe devolveria a liberdade?! O dilema reintroduzido pela Operação Lava Jata não é novo. Será a verdade um valor absoluto ou a mentira cabe em determinadas circunstâncias. Dele já se ocuparam Rousseau e Kant. “Se um ladrão me perguntar se tenho dinheiro, não preciso dizer que sim.” Depois de Rousseau, outro francês, Constant atentou que “não basta o princípio de dizer a verdade. É preciso ainda determinar quem tem direito à verdade”.

Devemos atentar se a verdade interessa ao esclarecimento do fato ou é um meio por meio da qual se atinge determinado fim. Uma velha máxima ajuda a entender: os meios justificam os fins. Se a prisão (meio) para se chegar a confissão  (fim) é lítica, porque fazer acordos entre empresas – Cartel (meio) para ganhar a licitação (fim)  não o seria?!

MIGUEL REALE JÚNIOR

A prisão como pressão

Transformar a prisão, sem culpa reconhecida na sentença, em instrumento para forçar a delação é uma proposta que repugna ao Estado de Direito

Em artigo publicado em Tendências/Debates ("A ética do crime do colarinho-branco", 3/12), dois procuradores da República defenderam o instituto da delação –ou colaboração– premiada por visar à punição dos culpados e ao ressarcimento dos danos, mas também por interessar à própria defesa na tentativa de minimizar as consequências do processo.

Dizem, então, os procuradores da República que a legitimação da delação está na obediência do devido processo legal, ou seja, no respeito aos ditames legais, a todas as garantias de um processo regular e justo.

Em parecer ofertado em dois habeas corpus, interpostos por presos na Operação Lava Jato, o ilustre procurador Manoel Pastana defendeu a manutenção da prisão preventiva. O procurador a defendeu por entender que a segregação cautelar tem a importante função de convencer os infratores a colaborar com o desvendamento dos ilícitos penais, havendo a possibilidade de os influenciar na vontade de colaborar na apuração de responsabilidade.

A prisão antes da sentença condenatória, todavia, é medida excepcional, cabível apenas em vista do interesse de preservação da prova, da considerável probabilidade de reiteração delituosa ou de fuga do investigado. Só é de se admitir a prisão preventiva quando a liberdade do investigado constitua um perigo para o processo, um risco para a apuração dos fatos e para a garantia de aplicação futura da lei penal.

Transformar a prisão, sem culpa reconhecida na sentença, em instrumento de constrangimento para forçar a delação é uma proposta que repugna ao Estado de Direito: ou o acusado confessa e entrega seus cúmplices, ou permanece preso à espera do julgamento, com a possibilidade de condenação, mas passível de uma grande redução da pena se colaborar com as investigações.

Evidentemente, não se compadece como o regime democrático que o Estado valha-se do uso da violência para extrair confissões.

Em manifesto à nação, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) asseverou, na terça-feira (2), "ser inadmissível que prisões provisórias se justifiquem para forçar a confissão de acusados", sendo imprescindível o respeito ao devido processo legal e à presunção de inocência.

Além do aspecto moralmente negativo e da afronta à integridade psíquica e física do investigado, essa finalidade outorgada à segregação cautelar desrespeita o devido processo legal, exigência posta tanto pelos procuradores da República como pela OAB. Com efeito, no artigo 4º da Lei de Organização Criminosa se estabelece que na delação o indiciado deve ter colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal.

Assim, é condição da delação a voluntariedade, sendo a prisão, como meio de pressão para confessar, o inverso da exigência de ser voluntária a delação, pois só há voluntariedade quando não se é coagido moral ou fisicamente.

A delação há de ser voluntária, pouco importando se os motivos determinantes consistem em efetivo arrependimento face aos delitos cometidos ou em interesse desonesto, como o de Silvério dos Reis que delatou a Inconfidência Mineira em troca do perdão das dívidas fiscais e do recebimento de honrarias.

A delação pode ser de interesse da defesa, mas deve, antes de tudo, ser voluntária. Isso não sucede com a que é conquistada por via da imposição de uma prisão injusta e desnecessária se ditada apenas pelo objetivo de se obter uma confissão. A prisão para delatar desfigura a delação.

A luta contra o cancro da corrupção não legitima que se recorra ao veneno do arbítrio e se passe por cima dos princípios constitucionais informativos do processo penal, como assinala o manifesto da OAB.

MIGUEL REALE JÚNIOR, 70, é advogado, escritor, professor titular de direito penal da Universidade de São Paulo. Foi ministro da Justiça (governo FHC)

24/04/2014

Clóvis, cobra outros… pica a verdade!

perua folha

Até à instalação da Comissão da Verdade, os jornais, incluindo a Folha, eram contra. Tanto que a Folha negava a ditadura, chamando-a de ditabranda. Depois de instalada, não conseguiram fazer uma reportagem sequer que se possa dar este nome. Divulgam de forma sucinta resultados. Tudo seria natural não fosse a Folha um órgão de informação. Portanto, se quem vive de informação sonega informação, o que esperar dos demais.

A Folha poderia começar divulgando tudo o que sabe a respeito da ditadura, inclusive qual era o papel da peruas/furgões no transporte dos presuntos para as valas clandestinas. O cinismo só é pior do que a cara de pau, duas características do empregado em relação ao seu patrão. A respeito da participação do patrão, Clóvis Rossi sonega a verdade em qualquer uma das suas possíveis versões.

CLÓVIS ROSSI

A verdade e suas versões

Brasil deveria imitar a Itália e divulgar todos os documentos disponíveis sobre os anos de chumbo

A melhor definição de reportagem que conheço pertence a Carl Bernstein, um dos dois repórteres do "Washington Post" que desvendaram o caso Watergate e, com isso, levaram à renúncia do presidente Richard Nixon.

Em palestra na USP, Bernstein a definiu como "a melhor versão da verdade possível de se obter".

É isso. Começa por duvidar implicitamente que exista uma VERDADE, assim maiúscula e incontrovertida. E continua por propor um exaustivo trabalho para chegar o mais perto possível de uma versão verossímil.

Se essa definição é correta, as comissões da verdade instaladas no Brasil estão com um problema: em vez de chegarem à melhor versão da verdade possível de se obter sobre a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, chegaram a duas "verdades", diametralmente opostas, o que significa que uma delas é necessariamente falsa.

Para a Comissão Nacional da Verdade, JK foi vítima de um acidente. Para a Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, foi assassinado.

folha_04Acredito na boa fé de ambas as comissões, o que me leva a crer que as conclusões opostas se deveram à dificuldade de se apurar os fatos depois de tantos anos decorridos (Juscelino morreu em agosto de 1976, há 38 anos).

O acidente é a versão mais anticlimática. Mais sedutora era a hipótese de um conjunto de crimes que teriam vitimado os três líderes civis que, àquela altura, se uniam contra a ditadura: João Goulart morreu em dezembro de 76, apenas quatro meses depois de JK, enquanto Carlos Lacerda morreu em maio de 1977.

Ou seja, em nove meses, desapareceram os principais nomes políticos e não-revolucionários da oposição ao regime.

Tentador, por isso, concluir que foram todos vítimas de um complô sinistro. As diferentes conclusões sobre o caso JK só contribuirão para manter no ar a teoria conspiratória, mais fascinante que mortes naturais ou por acidente.

É por isso que se torna ainda mais necessário que o Estado brasileiro copie decisão desta semana do novo governo italiano, que decidiu desclassificar todos os documentos relativos a uma série de atentados nos anos de chumbo, entre 1969 e 1984. Ou seja, são acontecimentos mais ou menos contemporâneos às mortes de Juscelino, Goulart e Lacerda.

Quem não quer ou não gosta da verdade pode até argumentar que, na Itália, é mais fácil abrir os arquivos porque o terrorismo era de particulares (a extrema direita e a Máfia), enquanto no Brasil o próprio Estado praticou terrorismo.

Na Itália, os documentos a serem liberados referem-se a oito grandes atentados, como a matança da estação ferroviária de Bolonha (tradicional feudo comunista), em que morreram 85 pessoas; e o massacre de Ustica, a derrubada, aparentemente por um míssil, de um avião comercial que fazia o trajeto Bolonha/Palermo, com 81 passageiros a bordo, ambos em 1980.

Tanto no Brasil como na Itália, só a liberação dos arquivos permitiria chegar à verdade, que é sempre melhor do que versões, ainda mais quando são conflitantes.

crossi@uol.com.br

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