Seleção está ruim com Dunga, mas pode piorar
Sírio Possenti
De Campinas (SP)
Olha quem está falando
Sócrates errou um pênalti contra a França em 1986 (nenhum peladeiro cobraria tão mal, é só ver os jogos do bairro) e perdeu uma disputa de cabeça na entrada da área em 1982, apesar de sua altura. Da disputa saiu o terceiro gol de Paolo Rossi, com Júnior dando a ele condições de jogo. Estava distraído. Foi tão grave quanto a arrumada de meia de Roberto Carlos em 2006. Mas o tempo passa, como dizia Fiori Gigliotti .
Muller errou um gol feito contra a Argentina em 1990. Mas culpam o Dunga por ter sido driblado por Maradona, que antes passou por outros três! Deveria ter feito uma falta em Maradona, dizem. Sempre lembramos os gols sofridos, nunca os gols perdidos. Klose, o que sabe fazer gols, perdeu pelo menos cinco, diante dos goleiros.
Estou “criticando”? Não. Apenas acho que coisas assim podem acontecer com qualquer um. Alguém sempre vai errar. Ponto.
Neto chutou até um juiz! Edmundo não só fez a suas em campo, como atropelou um monte de gente numa noitada. E eles pedem bom comportamento ao Felipe Melo (que obviamente é burro – basta ver sua explicação para a pisada no holandês -, mas este é outro capítulo).
Dunga pedia atitude à seleção de 2006 contra a França (comentando jogos na BAND!), mas esqueceu que estava em campo na final de 1998, contra a mesma França, comandando um time com pouca atitude. Sua principal ação de comando naquela Copa foi cabecear o Leonardo. Devia ter se antecipado ao Zidane.
Se
Se Juan acertasse aquele chute depois do passe de Daniel Alves, se Kaká tivesse marcado na sua jogada mais característica, se Júlio Cesar tivesse saído bem naquela bola, se Juan mandasse aquela outra bola para a lateral e não para escanteio, o Brasil teria vencido a Holanda por 3 a 0. Não, não: se tudo isso tivesse acontecido, talvez Felipe Melo não tivesse acertado um lançamento espetacular, e o resultado teria sido 2 a 0.
Conspiração
Um adepto das teorias conspiratórias diria que, durante o intervalo de Brasil x Holanda, o pessoal da Fifa e da CBF foi ao vestiário dar uma bronca no time do Dunga, porque jogava bem e estava ganhando. Foi lembrar a todos que o combinado era perder – ganhar, só em 2014, como os patrocinadores combinaram. Foi por isso que o Júlio César saiu mal (ele nunca fez isso nos últimos dez anos) e que Juan inventou um escanteio, quando podia ou jogar para a lateral ou sair jogando.
Superstição
Para os supersticiosos, o que determinou a derrota do Brasil foi jogar de azul. Nesta copa, todos os azuis se ferraram: bleus, azzurri e verde-amarelos de azul. A vitória do Uruguai sobre Gana só aconteceu porque o azul deles é fraquinho, o celeste lá deles – mesmo assim, foi daquele jeito. E os meio azuis da Argentina se ferraram de verde amarelo no jogo com a Alemanha (aliás, sabe-se que os deuses do esporte punem a diversão à custa da derrota dos outros, e os argentinos tinham abusado, na véspera).
(O Uruguai perdeu para a Holanda, mas acho que não foi por causa da cor da camisa; e foi em outra fase da competição).
O jogador da Copa
Como trabalho duro desde criança, meu jogador da Copa é o volante alemão Schweinsteiger. No meu time, Ronaldinho e Robinho são focas. Bons para fazer embaixadas em propagandas…
Descobri um ótimo argumento a meu favor no artigo de Régis Bonvicino no Aliás de domingo. Comentando o célebre texto de Pasolini sobre futebol prosa (o da Europa) e o futebol poesia (o nosso; seu dado era a seleção de 70), Bonvicino mostra que: a) Pasolini opera a partir de velhos preconceitos: nós seríamos melhores porque fazemos poesia; eles é que nos vêem como os que só servem para dar-lhes diversão (no limite, é uma versão das mulatas para turistas europeus); eles são eficientes, sérios, trabalhadores; nós sabemos fazer festa; nem nossas democracias prestam; até a corrupção deles é melhor que a nossa; b) sua tese, antiga, prenuncia a substituição da arte (a do próprio cinema de Pasolini) pelo espetáculo “popular”; este é o lugar do futebol, que não é arte coisíssima nenhuma. Um jogo é como um show de rock, não como um filme (Teorema, por exemplo) ou um poema.
Saudades
Vendo as últimas Copas do Mundo, bateu enorme saudade das colunas de João Saldanha e de Nelson Rodrigues. A mídia esportiva regrediu mais que o futebol.
Piada
Piada adaptada: – Qual é a diferença entre o peixe gato e um jornalista esportivo (na derrota)? – Um vive nas profundezas e se alimenta de detritos. O outro é um peixe.
Se os jogadores errassem em campo tanto quanto os comentaristas nos microfones, perderíamos todas de goleada. Acabo de ouvir o mesmo cara dizer três vezes que a Espanha deve vencer o Uruguai. Mas o adversário é o Paraguai! O bom Milton Leite (que está afetado pelas pretensões humorísticas que estão fazendo escola no canal – e nada é pior que humor ruim!!) repetiu diversas vezes que a Argentina ganhou do México por 2 a 0.
Antes do intervalo, um cara diz na mesa redonda que Dunga não tinha opções: olhava para o banco e Ronaldinho não estava lá. Depois do intervalo, lembra que Ronaldinho não joga bem há muito tempo (desde 2006, eu diria).
Um coleguinha diz, comentando o jogo do Brasil, que o time do Dunga tem muito volante. Comentando o da Argentina, que o time é mal armado, que tem só um volante, que assim o time fica vulnerável.
Em encontro com colombianos que estavam na África do Sul, uma repórter da Globo disse que a Colômbia não tinha feito sua estréia na Copa porque não tinha se classificado. Se lhe perguntassem o que é Jabulani, o que será que ela responderia?
As notícias sobre enchente e carnaval e as mesas redondas sobre jogos da Copa (e outras) poderiam ser gravadas. Ninguém ia notar que são velhas.
Corinthiano
Voltando à dura realidade: corinthianos dirão que um time com Josué, Kaká, Luis Fabiano, Júlio Batista e Grafite não poderia mesmo vencer. É muito Marco Aurélio…
História (1)
Todo mundo repete todos os dias que Telê sim, que Telê isso, Telê aquilo. Que era o mestre do futebol arte. Todos esquecem que seus times sempre tinham um brucutu como volante. E alguém explica por que ele cortou Renato Gaúcho por causa de uma escapadinha? A disciplina valia mais que o talento? Ora, mas isso é Dunga. E por que, depois, não escalou Falcão, preferindo Elzo, logo ele, que amava o futebol-arte? Alguém aí sabe quem foi Elzo? Ou será que Telê queria um banco com boas opções?
História (2)
Em solidariedade a Renato Gaúcho, Leandro se recusou a ir ao México. E mais ninguém. Onde estava Sócrates, que entrava em campo com faixas de protesto na cabeça, mas não protestou contra a decisão de Telê?
História (3)
Ruim com Dunga? Muito ruim. Mas acho que ainda pode piorar. A Globo voltou com tudo. Basta considerar o que significa a entrevista exclusiva do presidente da CBF, que tirou o seu da reta, para quase empregar linguagem de vestiário.
Sírio Possenti é professor associado do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de Por que (não) ensinar gramática na escola, Os humores da língua, Os limites do discurso, Questões para analistas de discurso e Língua na Mídia.
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