OBScena: o golpe paraguaio é o coroamento do esforço dos grupos mafiomidiáticos para que a Veja possa retornar às capas anteriores a 2002
Qual era a capa da Revista Veja depois de oito anos de FHC? Na edição de 22 de janeiro de 2002, a Veja apresentava o resultado de 8 anos de privataria tucana: “Miséria ─ O Grande Desafio do Brasil”. Oito anos depois, as políticas sociais do grande molusco tirou 36 milhões da miséria. A partir deste resultado, Ali Kamel foi escalado pela Rede Globo para atacar as políticas de inclusão social. E ele deixou para a posteridade estampado em livro o testemunho do racismo global contra as políticas de inclusão social: “Não somos racistas”. Se isso já é muito, não é tudo. A plutocracia não parou por aí.
Danusa Leão, na Folha de São Paulo, resumiu o pensamento dos que odeiam as políticas sociais do Lula com esta pérola: “Ir a Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça? Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris, entrar nas perfumarias que dão 40% de desconto, com vendedoras falando português e onde você só encontra brasileiros -não é melhor ficar por aqui mesmo?”.
A RBS, fiel escudeira dos métodos da Rede Globo, a quem se filia e se perfila, também registrou, por meio de Luis Carlos Prates, outra pérola do pensamento caro a plutocracia vira-lata que patrocina caça ao grande molusco: “qualquer miserável agora tem carro”.
O ódio foi disseminado e a criminalização do bolsa família ganhou ares de batalha do bem contra o mal. Dos de Benz, contra os sem Benz. Mas, como dizem os golpistas, as instituições estão funcionando. Estão funcionando à moda antiga, porque ainda vige um velho brocardo jurídico, filho bastardo da máxima bíblica segundo a qual se deve dar a César o que é de César…: “dar a cada um o que é seu”; ao pobre, a pobreza, aos ricos, a riqueza. O ódio a quem inverteu a lógica dos investimentos públicos é de quem pensa que ajuda aos pobres priva os ricos da exclusiva posse de caros e viagens exclusivas, sem o estorvo dos filhos de porteiros, pedreiros e empregadas domésticas.
Aos que lutaram pelo fim do Bolsa Família, segue outra sugestão para melhor aproveitamento de crianças pobres. Se no tempo de Swift as crianças pobres poderiam servir de alimento aos ricos, a modernidade sugere o o tráfico de seus órgãos. Sirvam-se!
Modesta proposta para melhor aproveitamento dos filhos das pessoas pobres
Sebastiao Nunes – dom, 31/07/2016 – 07:51
Jonathan Swift, deão da catedral anglicana de Saint Patrick, em Dublin, nasceu em 1667, morrendo surdo e louco em 1745. Sua obra mais conhecida é “Viagens de Gulliver”. Uma dessas viagens foi para Lilliput, termo que significa “pequena puta”. Outra, para Laputa, que dispensa tradução.
Dele, o texto curto mais importante é “Uma modesta proposta”, sendo o título completo “Uma modesta proposta para impedir que os filhos das pessoas pobres da Irlanda sejam um fardo para os seus progenitores ou para o País, e para torná-los proveitosos aos interesses públicos”.
Como o Brasil caminha a passos largos para se transformar numa indisfarçada antidemocracia, me apresso a reproduzir alguns trechos dessa notável e valiosíssima Proposta, contribuindo assim para que o Interino, seus ministros-interinos e a cúpula da FIESP possam aplicar tais ideias em seus experimentos antidemocráticos.
Trata-se de obra amplamente disseminada entre intelectuais, mas não estou certo de que nossos políticos e juristas, mais empenhados em arquitetar golpes e colecionar malfeitos, tenham chegado a conhecê-la.
TEM POBRE DEMAIS NO BRASIL
“É motivo de tristeza, para aqueles que andam por esta grande cidade ou viajam pelo país, verem as ruas, as estradas ou as portas dos barracos apinhadas de mendigos do sexo feminino, seguidos por três, quatro ou seis crianças, todas esfarrapadas, a importunar os passantes com solicitações de donativos. Essas mães, em vez de poderem trabalhar pelo seu honesto sustento, são forçadas a perambular o tempo todo atrás de esmolas, a fim de sustentar seus pequenos desvalidos, os quais, à medida que crescem, se tornam ladrões, por falta de trabalho.”
“Uma criança que tenha saltado recentemente do ventre de sua mãe pode muito bem ser mantida com o leite dela durante um ano inteiro, e com pouca nutrição adicional: quando muito, não mais que o valor de dois xelins, ou mesmo com as sobras, que a mãe poderá certamente conseguir por meio de uma honesta mendicância. E é exatamente na idade de um ano que proponho aplicar-lhes minha solução, de modo que, em lugar de se tornarem um fardo para seus pais ou para a paróquia, ou de carecerem de alimento e vestuário pelo resto de suas vidas, virão, pelo contrário, contribuir para alimentar e, em parte, para vestir muitos milhares de outros.”
EQUACIONANDO O PROBLEMA
“Agora, proporei humildemente minhas próprias ideias, que acredito não serão suscetíveis da menor objeção.”
“Um americano, muito experiente, me disse em Londres que uma criança nova, saudável e bem nutrida é, com a idade de um ano, um petisco bastante delicioso e salutar, seja servida ensopada, assada, grelhada ou cozida; e não tenho dúvida de que poderá ser preparada como um fricassê ou um ragu.”
“Assim, ofereço humildemente à consideração do público o seguinte: que de cada 120 mil crianças nascidas, 20 mil possam ser apartadas para a reprodução, das quais apenas uma quarta parte serão machos, o que é mais do que costumamos fazer com as ovelhas, as vacas ou os porcos. Que as 100 mil remanescentes possam ser, com um ano de idade, oferecidas a pessoas de qualidade e posses em todo o reino, sempre advertindo as mães para que as amamentem bem no último mês, de modo que fiquem bem cheinhas e fornidas para uma boa mesa. Uma criança dará dois pratos numa recepção de amigos e, quando a família jantar sozinha, os quartos anteriores ou posteriores fornecerão um prato razoável; e, com uma pitada de pimenta e de sal, aguentará bem até o quarto dia, especialmente no inverno.”
“Admito que esse alimento seja caro, portanto adequado aos proprietários, os quais, já tendo devorado os pais, têm todo o direito de fazer o mesmo com os filhos.”
ESCLARECENDO MELHOR
“Já computei os custos de nutrição de uma cria de mendigo, como orçando em torno de dois xelins por ano, farrapos incluídos; e acredito que nenhum cavalheiro se queixaria de dar dez xelins pela carcaça de uma boa criança gorda, a qual, como já disse, fornecerá quatro pratos de carne excelente e nutritiva, quando ele tiver apenas algum amigo ou sua própria família para jantar. Então o proprietário aprenderá a ser um bom patrão e ganhará popularidade entre seus peões, a mãe açambarcará oito xelins de lucro líquido e estará em condições de trabalhar até produzir outro filho.”
“Aqueles que são mais econômicos (como, devo confessar, estes tempos andam a pedir) poderão esfolar a carcaça, cuja pele, adequadamente curtida, proporcionará luvas admiráveis para as senhoras e botas de verão para os cavalheiros.”
MAGNÍFICOS RESULTADOS
“Suponho que as vantagens da proposta que faço são óbvias e diversas, bem como da mais alta importância.”
“Os arrendatários mais pobres, que nunca souberam o que é ter dinheiro, possuirão alguma coisa de valor, a qual por lei poderá estar sujeita a confisco, a fim de ajudar a pagar o aluguel aos proprietários, já tendo sido o seu gado e o seu milho devidamente pilhados.”
“As parideiras constantes, além do ganho de oito xelins por ano com a venda de seus filhos, estarão livres do fardo de sustentá-los após o primeiro ano de vida.”
“Finalmente, haveria um grande incentivo ao casamento. Aumentaria o cuidado e a ternura das mães pelos filhos, pois estariam certas de uma colocação para seus pobres bebês no futuro, obtendo ganhos anuais em vez de despesas. Observaríamos em breve um honesto sentimento de emulação entre as mães, a fim de verem quem traria o filho mais gordo para o mercado. Os homens teriam tanto interesse por suas esposas, durante o tempo da gravidez, quanto têm agora por suas éguas, suas vacas ou suas porcas em vias de parir; e não mais se prontificariam a bater nelas (como é a prática frequente), receando com isso um aborto.”
Fica, portanto, encaminhada a Modesta Proposta do deão Jonathan Swift, transcrita sem qualquer alteração, que decerto não desagradará ao Interino, a seus ministros, aos membros do Supremo Tribunal Federal e de nosso judiciário, além da cúpula da FIESP, todos, sem dúvida, apreciadores de pratos delicados, raros e caros.
Ilustração: Intervenção sobre uma das “pinturas negras”, de Goya.
Imagens
Modesta proposta para melhor aproveitamento dos filhos das pessoas pobres | GGN