Ficha Corrida

08/08/2016

Carta aberta a José Serra & CIA

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‘O que o senhor tem a dizer dos 23 milhões da Odebrecht?’: carta aberta a Serra. Por Paulo Nogueira

Postado em 07 Aug 2016 – por : Paulo Nogueira

Corrupto e inepto

Esta é mais uma das Cartas aos Golpistas. No futuro, elas poderão ser reunidas num livro para recapitular o golpe de 2016. O destinatário da presente carta é o chanceler José “23 milhões” Serra.

Caro Serra: imagino que você tenha passado este domingo no telefone. Não para tratar de assuntos nacionais, mas para resolver problemas pessoais.

Se conheço você, você telefonou para todos os donos de empresas jornalísticas para uma operação abafa. Você sempre fez isso na vida: procurar os barões da imprensa para garantir um noticiário amigo, fraternal, positivo.

Não foi fácil, para quem sempre foi protegido, acordar com a notícia de que Marcelo Odebrecht lhe deu 23 milhões de reais em caixa 2 nas eleições de 2010.

Quer dizer: 23 milhões em dinheiro da época. Hoje, são quase 35 milhões.

Você batizou sites independentes como “blogs sujos”. Sujo mesmo é este dinheiro, chanceler, que é apenas parte de um todo colossal.

É um dinheiro viajado. Ele percorreu rotas no exterior para não ser detectado e não pagar imposto, um expediente tão comum entre os plutocratas brasileiros e seus fâmulos, como você.

Sim, você é um fâmulo da plutocracia, a exemplo de seus companheiros de partido Aécio, FHC e Alckmin.

E é também a pior espécie de corrupto. O demagogo, o cínico, o hipócrita, aquele que à luz do sol brada contra a corrupção e na escuridão faz horrores.

Penso em seu caso e lembro o de Feliciano, o pastor. O moralista inflamado que pregou castração química para estupradores está no centro de um escândalo de tentativa de estupro. O mesmo homem tão intolerante em relação à vida sexual alheia escreveu, segundo um print gravado pela acusadora, que a “carne é fraca”.

Sim, a carne é fraca, chanceler. Nos faz desejar não apenas corpos, como aparentemente foi o caso do pastor, mas também cargos acima de nosso talento e de nossas possibilidades.

É seu caso.

Há muitos anos você trava um duelo de vontades com os brasileiros em torno da presidência da República. Você acha que nasceu para ser presidente não se sabe com base em que: votos não. Você não tem votos para tanta ambição, e nem competência. Você não foi capaz de conter sequer os pernilongos quando prefeito de São Paulo.

Em sua louca cavalgada presidencial, você chegou até a simular ter sido vítima de um atentado. Foi o infame Atentado da Bolinha de Papel. Nem a Globo, que contratou um especialista para confirmar a mentira, conseguiu evitar que o episódio passasse para a história como uma das maiores trapaças de uma campanha presidencial.

E agora, para culminar uma carreira sórdida, você é um dos baluartes do golpe.

Volto à expressão que você usou para designar os sites independentes. Não apenas um golpista — mas um golpista sujo.

Sinceramente.

Paulo

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Paulo Nogueira

Sobre o Autor

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

Diário do Centro do Mundo ‘O que o senhor tem a dizer dos 23 milhões da Odebrecht?’: carta aberta a Serra. Por Paulo Nogueira

23/07/2013

Tudo o que Augusto Nunes pratica aprendeu atrás da portas na RBS

Filed under: Augusto Nunes,Paulo Nogueira,Ventríloquo — Gilmar Crestani @ 7:47 am
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Paulo Nogueira reduz Augusto Nunes a pó

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Num artigo preciso, o jornalista que comanda o Diário do Centro do Mundo afirma que, em países civilizados, mesmo personagens como Augusto Nunes são protegidos de jornalistas como Augusto Nunes; a última gracinha de Nunes foi eleger "O Bebum de Rosemary" como nome do livro que levaria o ex-presidente Lula à Academia Brasileira de Letras

23 de Julho de 2013 às 07:08

247 – Em países civilizados, até personagens como Augusto Nunes são protegidos de jornalistas como Augusto Nunes. É o que argumenta Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo. Confira:


O Sanatório Geral de Augusto Nunes

PAULO NOGUEIRA 22 DE JULHO DE 2013

E então ficamos sabendo que o vencedor do concurso de títulos promovido por Augusto Nunes para um livro de Lula é O Bebum de Rosemary.

O segundo lugar é 50 Toneis de Pinga.

Imagino que seja para rir.

Comentei este concurso outro dia. Nele, Lula era chamado de ladrão, molusco, burro, cachaceiro, afanador e larápio.

Jornalista pode insultar alguém assim por ter microfone? Este era meu ponto.

Minha resposta: o artigo traduz o atraso da mídia brasileira, notadamente a da Veja e a  de seu blogueiro, e a ausência de limites.

Por muito menos que isso a Justiça americana emparedou Paulo Francis, como todos sabemos.

E se alguém enveredar pela vida pessoal de Augusto Nunes? Tudo bem? Não, não está tudo bem.

A beleza de limites para abusos da mídia é proteger Augusto Nunes de jornalistas como Augusto Nunes.

Nestes últimos dias, por causa do concurso, acabei lendo textos dele.

Conheço muitas histórias de Augusto Nunes, mais do que gostaria, na verdade. Mas me recuso a usá-las. Digo apenas que ele atacar sistematicamente Lula pela bebida e pelas mulheres é uma das práticas mais hipócritas, cínicas e farisaicas que vi em toda a minha vida.

Os insultos de Augusto são ubíquos.

Num vídeo em que Dilma esquece o nome de um político, ele a chama de “dois neurônios” e define o esquecimento como “derrapagem espetacular”.

Um leitor perguntou se ele se achava mais inteligente que a “dois neurônios”. Respondeu Augusto: “Muito. Muitíssimo.” E em seguida disse ao leitor: “E agora cai fora porque não vou responder perguntas de quem não tem neurônios.”

Numa demonstração de quem são os leitores de Augusto, vários deles aplaudiram a resposta.

Por causa de alguns acontecimentos recentes, a Bolívia tem sido alvo de artigos de Augusto.

Evo Morales é sempre chamado de “Lhama de Franja”, e ele realmente parece achar isso espirituoso.

Rui Falcão é acusado de mentiroso num texto por piscar mais que o normal. Augusto Nunes sabe que Rui Falcão ficou com uma sequela por causa de torturas sob a ditadura. Daí as piscadas.

Jornalismo?

Num texto recente sobre Lula no ABC, um leitor é chamado de “cretino” e uma leitora é mandada para você sabe onde, por cometerem o pecado de não concordar com o que estava escrito.

Um terceiro leitor recebeu a seguinte resposta, depois de ver suas palavras censuradas (só apareceu o que Augusto escreveu): “Cai fora, animal.”

Ninguém lê? Nenhum editor vê e pondera? Ninguém coloca limites em tanta baixeza, malvadeza e covardia?

Baixeza e malvadeza por razões óbvias. Covardia porque o leitor, ao contrário dele, não tem voz.

Curiosamente, está escrito o seguinte na caixa deixada para comentários: “Aprovamos comentários em que os leitores expressam suas opiniões. Comentários que contenham termos vulgares (…) e ofensas serão excluídos.”

Bem, quem acredita nisso acredita em tudo. Faça um teste.

O que acontece é que os leitores sãos vão debandando, e ficam aqueles que são igualmente movidos por maus sentimentos – gente com ódio, intolerante diante de opiniões diversas, cega de fanatismo.

Sobra um gueto não de jornalismo, mas de barbárie fantasiada de jornalismo.

Curiosamente, as duas expressões que melhor designam, em minha opinião, o que se faz no blog de Augusto Nunes são criações dele mesmo: “esgotosfera” e “sanatório geral”.

Paulo Nogueira reduz Augusto Nunes a pó | Brasil 24/7

06/02/2013

O último suspiro de influência da mídia

Filed under: Fernando Collor de Mello,Golpismo,Grupos Mafiomidiáticos,Paulo Nogueira — Gilmar Crestani @ 9:18 am

Paulo Nogueira5 de fevereiro de 201389

A imprensa construiu e destruiu Collor, e depois se dedicou a defender seus próprios interesses.

Collor e a ex-mulher em sua posse

A queda de Fernando Collor de Mello, há 20 anos, foi a última demonstração de força e influência da imprensa brasileira, para o bem e para o mal. Collor, um político provinciano e oco, tagarela e bonitão, se tornou uma figura nacional graças à mídia, que viu nele uma alternativa salvadora a – sempre ele – Lula na presidência.

Collor seria consagrado como “o caçador de marajás” por jornais e revistas. Era descrito pela mídia como o homem perfeito: combatia marajás – os funcionários públicos de altos salários – e era moderno. Este foi o primeiro empurrão em Collor, e lhe permitiu chegar ao segundo turno das eleições presidenciais.

Sua plataforma era a versão tosca em português da de Margaret Thatcher, que então era tida como uma semideusa. Não haviam aparecido ainda os efeitos sinistros do thatcherismo. Hoje eles são claros, impressos que estão na grande crise econômica e financeira mundial. Mas quando Collor virou um pretendente sério à presidência a fórmula de Thatcher – desregulamentar e privatizar — parecia funcionar.

Como um Thatcher de calças, Collor cortejou e conquistou Roberto Marinho, à época considerado amplamente o homem mais poderoso do país. Isso foi essencial para o segundo empurrão dado em Collor: a edição mal-intencionada da TV Globo do debate entre ele e Lula às vésperas da eleição. Lula não foi bem no debate, mas na edição da Globo – vista por uma audiência gigantesca que já não existe mais para a emissora – ele foi ainda muito pior. E então nosso Thatcher virou presidente.

Collor cometeu o erro de achar que, porque andara de avião, podia voar sozinho. Foi fatal. Não buscou alianças políticas, e não soube manter sequer o apoio da mídia que tanto contribuíra para sua vitória. Sem base política, foi jogado para o abismo pela mesma mídia que o alçara ao Planalto.

Foi o apogeu da imprensa como força política.

Em 1964, ela participara ativamente das ações para a derrubada do presidente João Goulart – mas o papel principal coube aos militares. Em 1992, o protagonismo foi da mídia. Passados vinte anos, o poder da imprensa é uma sombra do que foi. Em parte porque a internet foi ocupando um espaço cada vez maior. Mas também porque as grandes corporações de jornalismo não souberam captar o zeitgeist, o espírito do tempo. E isso é fatal no jornalismo.

Em 1992, por exemplo, ler a Folha era considerado coisa de gente bacana. Ela captara o espírito do tempo na campanha das Diretas Já. Hoje, na nova geração de leitores, quem se importa com a Folha? O espírito do tempo agora se manifesta em coisas como a inconformidade com a iniquidade social monstruosa que varreu o mundo. Na agenda de que grande empresa de mídia se vê algum traço desse inconformismo?

A maior demonstração da crescente falta de potência está nos resultados das três últimas eleições presidenciais. Ganharam candidatos – Lula e Dilma – que jamais gozaram do apoio da mídia, para dizer o mínimo.

É bom ou ruim o enfraquecimento da mídia estabelecida para o Brasil? É difícil lamentar a perda de influência. O Brasil que as grandes empresas de jornalismo ajudaram a construir era simplesmente insustentável em sua iniquidade, na forma absurda com que era distribuído o bolo, no número abjeto de miseráveis amontoados em favelas.

No mundo perfeito, a mídia teria apontado esse drama e lutado para corrigi-lo. Não fez. Fez o oposto, na verdade: se alinhou à manutenção de privilégios e de mamatas. Por isso, vinte anos depois da queda de Collor, fala apenas para os privilegiados – e não todos eles, mas aqueles que em seu egoísmo sem limites ignoram e desprezam os desfavorecidos.

Leia mais: É um disparate a mídia no papel de oposição.

Leia mais: A concentração na mídia é um mal para a democracia

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O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

Diário do Centro do Mundo – O último suspiro de influência da mídia

01/02/2013

“FMI incredíbile”

Filed under: BRICS,FMI,Paulo Nogueira — Gilmar Crestani @ 9:03 am

Christine Lagarde, titular del FMI. El aire fresco que necesitaba el organismo no llegará antes de 2014.

Imagen: EFE

SUBNOTAS

Al borde de “un abismo de credibilidad”

La reforma propuesta en 2010 preveía un mayor poder de decisión para los emergentes, en particular los BRIC, pero la resistencia europea frenó los cambios. “El FMI se acerca a un abismo de credibilidad”, dijo el representante brasileño.

El Fondo Monetario Internacional (FMI) dilató hasta enero de 2014 la implementación de una reforma para incrementar el poder de decisión dentro del propio organismo a favor de los países emergentes, grupo del cual sobresalen China y Brasil. A pesar de haber realizado “importantes progresos”, aseguró ayer el vocero del FMI, Gerry Rice, las autoridades no llegaron a un acuerdo sobre un nuevo mecanismo de cálculo de las cuotas de cada Estado miembro, que determinan el peso del voto en la institución. La reforma planteada mantiene el poder de veto de los Estados Unidos, aunque también se lo otorga al conjunto de los países que componen el grupo BRIC, Brasil, Rusia, India y China. La titular del FMI, Christine Lagarde, afirmó que alcanzar ese acuerdo es necesario “para reforzar la legitimidad y efectividad del Fondo”.

En noviembre de 2010, el organismo aprobó el documento “Reforma de la estructura de gobierno del FMI”. Los puntos fundamentales eran la “redistribución del poder de voto hacia los países de mercados emergentes y en desarrollo dinámicos”, pasar a tener un “Directorio Ejecutivo más representativo”, con la elección de todos los miembros, y la duplicación de las cuotas del FMI hasta unos 755 mil millones de dólares. En aquel momento, el titular del Fondo, Dominique Strauss-Kahn, indicó que se trataba de “una reforma histórica”, que implicaría que “los diez principales accionistas realmente representan los diez principales países del mundo: Estados Unidos, Japón, Alemania, Francia, Italia y el Reino Unido, y las cuatro economías del grupo BRIC, Brasil, China, Rusia e India”. A partir de la reforma, China quedaría como el tercer socio con más influencia dentro del organismo, detrás de Estados Unidos y Japón, mientras que Brasil e India relegarían en el top ten a Canadá y Arabia Saudita.

Un elemento central de esa reforma es la duplicación de las cuotas para los países miembro, que daría lugar a una redistribución del 6 por ciento del total del “capital” del Fondo a favor de los países emergentes. La mitad de ese traspaso proviene de las economías avanzadas, en especial de Europa, también de los países petroleros y una parte minoritaria de otros emergentes. 110 miembros sobre un total de 188 tendrán aumento de cuota relativa o la mantendrían. De ese grupo, 102 son países en desarrollo.

La idea de las autoridades del organismo era definir una nueva fórmula para calcular el peso de las cuotas de cada país “a más tardar en enero de 2013”, que deberían estar indexadas al PBI de cada país y a la “apertura de su economía”. Sin embargo, el acuerdo quedó dilatado por un año. Para que pueda concretarse, debe ser ratificado por la Junta de Gobernadores, el máximo órgano de decisión del FMI, por una mayoría del 85 por ciento de los votos emitidos. Uno de los puntos más discutidos es cómo se pondera el valor de la cuota. “Hubo un consenso en que el PIB debe seguir siendo el componente más importante de la fórmula”, señaló el FMI en un comunicado. Por su parte, los países emergentes con mayor peso económico piden que la variable “apertura a la economía” sea suspendida o tomada en cuenta, pero en menor medida que en la actualidad, un punto sobre el cual los países desarrollados están en desacuerdo, con la idea de evitar controles de capitales o políticas comerciales activas.

El representante de Brasil y otros diez países en el FMI, Paulo Nogueira Batista, indicó que el “magro” resultado de las negociaciones “refleja la resistencia al cambio de parte de miembros excesivamente representados en el organismo, en particular de Europa”. “El FMI se está acercando a lo que podríamos llamar un abismo de credibilidad”, concluyó.

Página/12 :: Economía :: Al borde de “un abismo de credibilidad”

06/01/2013

Bons escritores, segundo Paulo Nogueira

Filed under: Literatura,Paulo Nogueira — Gilmar Crestani @ 12:00 am

 

Escritores que Amo

Paulo Nogueira5 de janeiro de 20130

O ótimo filme Henry & June foi baseado em um livro de Anais Nin que narra seu relacionamento com Henry Miller e sua esposa, June

Listo aqui no Diário os romancistas que mais amo, que  me fizeram rir, chorar, sonhar.

12 – Nelson Rodrigues

"Nelson Rodrigues foi um polemista absolutamente único entre os brasileiros"

Nelson Rodrigues foi um polemista absolutamente único entre os brasileiros. Suas bordoadas, sempre nas mesmas pessoas e pelos mesmos motivos, eram, paradoxalmente, delicadas como broncas de mãe amorosa – mas convicta e dura. Isso conta muito sobre ele. Nelson Rodrigues, nos combates que travou no campo das palavras, jamais pareceu interessado em destruir seus alvos e nem sequer em batê-los nos argumentos – mas sim em fazer os leitores pensarem, de preferência com um sorriso no rosto. Nelson Rodrigues, e este é um traço seu pouco valorizado, foi um dos melhores humoristas do país.

O humor estava presente em todas as polêmicas que travou – e também nas provocações que fez. Como toda a elite intelectual do Rio de Janeiro de seu tempo, tinha pelos paulistas uma mistura de desprezo, despeito, raiva e admiração. Traduziu tudo isso numa de suas numerosas frases memoráveis. “O pior tipo de solidão é a companhia de um paulista”, escreveu. Só um paulista muito tacanho poderia se sentir agredido por Nelson Rodrigues. Como sempre, a vergastada estava envolta num humor tão fino que subtraía quase toda a contundência – sem minar a essência da mensagem.

Essa grande tirada sobre os paulistas ele, como de hábito, repetiria muitas vezes, quase que obsessivamente. Nelson Rodrigues produziu um número extraordinário de frases memoráveis nas polêmicas que travou e nas provocações que fez, e para ampliar sua força usava a estratégia da repetição. Se ele fosse apenas um autor de frases, como o francês La Rochefoucauld, já teria conquistado um lugar destacado nas letras brasileiras. Suas máximas abarcaram virtualmente todos os campos, da política à religião, do futebol à psicologia – isso para não falar do amor. “É preciso trair para não ser traído”, escreveu ele num de seus grandes momentos de reflexão amorosa. Como de costume, você encontra essa frase em vários textos de Nelson Rodrigues.

Não era um polemista que se movimentava conforme as circunstâncias. Isso o distinguiu, por exemplo, de Paulo Francis. Francis foi de esquerda quando era elegante ser de esquerda, nos anos 60 e 70. Na década de 80, em que o conservadorismo galvanizou boa parte do planeta na figura da primeira ministra britânica Margaret Thatcher, Francis virou um polemista de direita. O glamour tinha se deslocado da esquerda para a direita. (Hoje, em que o receituário thatcherista é apontado por muitos como uma das razões da presente crise econômica mundial e por isso perdeu grande parte do brilho, Paulo Francis provavelmente retornaria à esquerda.)

Nelson Rodrigues não tinha problema nenhum em ser chamado de reacionário numa época em que isso era um dos maiores insultos que um intelecutal poderia receber. Era um homem convicto não das virtudes do capitalismo, mas dos defeitos para ele insolúveis do socialismo. Os símbolos de esquerda de seu tempo foram uma formidável inspiração para Nelson Rodrigues. Do cardeal Dom Helder Câmara, um expoente da Teologia da Libertação – corrente esquerdista da igreja que pregava o ativismo em prol dos pobres –, ele dizia, por exemplo, que “só olhava para o céu para ver se ia chover”. O fascínio erótico que Guevara despertava nas mulheres da alta sociedade carioca – a “esquerda festiva” – também foi objeto de análises espirituosas, ferinas e divertidas.

A elegância bem humorada com que ele esgrimia contrasta intensamente com as armas de outro célebre polemista brasileiro, Carlos Lacerda. Lacerda, que na juventude foi comunista e depois na idade adulta viraria anticomunista, tinha uma agressividade destrutiva que você jamais encontra em Nelson Rodrigues. Em seu melhor e ao mesmo tempo pior momento como polemista, Lacerda comandou um ataque sangrento ao presidente Getúlio Vargas, cuja administração era segundo ele um “mar de lama”. O suicídio de Getúlio, em 1954, é a demonstração suprema da força devastadora do “mar de lama” criado por Lacerda. (Posteriormente, em 1964, Lacerda apoiaria o golpe militar na esperança de se tornar logo depois presidente. Quando os militares decidiram permanecer no poder, ele se frustrou e foi para a oposição). Compare isso com a resposta clássica de Nelson Rodrigues aos jovens rebeldes que nos anos 60 a acusavam de ser mentalmente e ideologicamente senil. “Jovens: envelheçam”. Mais uma vez, o tom firme mas doce de uma mãe que deseja o melhor para seus filhos.

Ao contrário de tantos polemistas, Nelson Rodrigues não fez barulho simplesmente sendo do contra, mesmo sabendo da fraqueza do chamado pensamento convencional. Ele expressou isso numa de suas frases mais citadas: “Toda unanimidade é burra.” Se possível traçar uma linha – ainda que torta – de Paulo Francis a Diogo Mainardi entre os polemistas, Nelson Rodrigues, lamentavelmente, não deixou sucessores. Arnaldo Jabor, que filmou algumas das histórias de Nelson Rodrigues e é um de seus mais conspícuos discípulos, bem que tentou, mas acabou ficando a uma distância considerável do mestre. Principalmente naquilo que foi talvez a maior marca de Nelson Rodrigues como polemista: o humor fino, suave que leva o leitor a refletir com uma risada e não a imprecar, seja contra ou a favor, com uma carranca.

11 – F. Scott Fitzgerald

"Fitzgerald foi tão grande como escritor que, mesmo sendo alpinista social, jamais conseguiu fingir em seus romances que o círculo ao qual ansiava por pertencer era decente, honesto, límpido."

Francis Scott Fitzgerald retratou a frivolidade dos ricos americanos dos anos 20 e 30 com a mesma graça e talento com que Balzac mostrou o mundo da plutocracia francesa na primeira metade do século 19. Fitzgerald foi tão grande como escritor que, mesmo sendo alpinista social, jamais conseguiu fingir em seus romances que o círculo ao qual ansiava por pertencer era decente, honesto, límpido. Também nisso se igualou a Balzac.

O Grande Gatsby, de 1925, é a obra magna de Fitzgerald. Gatsby é um misto de vigarista e sonhador que vai atrás da paixão de sua juventude, Daisy. Daisy não se casou com ele porque ele era pobre. Gatsby faz fortuna vendendo bebida na época da Lei Seca – como o patriarca da família Kennedy, aliás – apenas para conquistar Daisy. Daisy – egoísta, dissimulada, interesseira, vazia – é, no romance, o símbolo supremo da riqueza e dos ricos. Gatsby acaba sozinho e destruído ao entrar num mundo que não era o seu. O único que permanece ao seu lado é Nick, o narrador, um alterego do próprio Fitzgerald.

É um romance cultuado. O escritor Hunter Thompson datilografou-o integralmente apenas para ter a sensação de escrever um livro notável. Fitzgerald morreu cedo, aos 44 anos, em 1940. Seu coração não aguentou uma vida absolutamente desregrada, repleta de bebida e de cigarro.

Também contribuiu para sua exaustão física e mental o casamento tumultuado com Zelda, desequilibrada mentalmente. A história com Zelda é a base de outro grande romance seu, Suave é a Noite, que recomendo fortamente também. Zelda acabaria num manicômio. Fitzgerald, em seus últimos anos, viveu com uma colunista social.

Fitzgerald foi o maior escritor americano do século passado, ao lado de Hemingway. Conviveram muito. Numa das passagens mais divertidas da amizade entre os dois, foram ao Louvre por sugestão de Hemingway. Fitzgerald estava em dúvida sobre a qualidade do tamanho de seu pênis, e Hemingway sugeriu que ele o comparasse com os pênis das estátuas do Louvre.

Gatsby, com todos os seus anos de existência, tem vigor juvenil: sua história continua a fascinar, a comover. Faz rir, faz sonhar e faz chorar. Assisti, há pouco tempo, uma montagem do livro no Wilton’s Music Hall – um teatro alternativo e interessantíssimo de Londres, perto das Docas e longe do tradicional West End, onde passam os musicais – que arrebatou os londrinos. A platéia é convidada a se vestir como nos anos 1920, no auge do charleston. Muitos aceitam o convite. No intervalo, dois atores se fazem de repórter e fotógrafo ao estilo de um século atrás e entrevistam a audiência como se fossem jornalistas atrás de celebridades nas míticas festas dadas por Gatsby em sua mansão no seu esforço de reconquistar Daisy.

Fui, com Erika. Ela tirou uma foto da dupla com seu iPhone. Eles perguntaram: “O que é isso?” Erika respondeu: “Uma câmera”. O fotógrafo – um ator gordo, jovem, alto, camisa fora da calça como é tão comum nas redações – riu. Gargalhou. “Hahaha. Câmera é isso!” E mostrou a sua, uma relíquia da era de Gatsby.

Em seu túmulo, está escrita a frase épica que dá fim a O Grande Gatsby. “E assim vamos todos, braços remando contra a correnteza, empurrados incessantemente rumo ao passado.” Se não fossem todas as outras virtudes, apenas por este final todo mundo deveria ler O Grande Gatsby.

10 – Henry Miller

"Não me lembro de um outro escritor que tenha transmitido em sua prosa tanta adoração pelas mulheres quanto Henry Miller."

Sempre que estou em Paris, lembro de Henry Miller.

Foi em Paris que ele construiu a maior parte de sua obra grandiosa, em que o sexo se mistura com o lirismo e daí nascem parágrafos soberbos.

Penso numa passagem específica: uma declaração de amor a Germaine, uma prostituta barata, em Trópico de Câncer. Talvez não exatamente a ela, mas à “coisa rosa” que ela levava entre as pernas, “um tesouro”, “um presente de Deus”.

Ele admirava aquele “matagal” e os lábios que o separavam tanto quando estavam unidos como quando estavam separados.

Não me lembro de um outro escritor que tenha transmitido em sua prosa tanta adoração pelas mulheres quanto Henry Miller. A mais comoventa forma de amor: incondicional. A mulher não tinha que ser linda, elegante, rica para Miller encontrar magia, encanto, beleza nela.

É o caso de Germaine.

E, no entanto, as mulheres não lêem Henry Miller, de uma forma geral. E as que rompem com a regra o desprezam como machista. Ou mesmo careca. Piada. (Miller foi vencido cedo pela calvície, conforme se pode ver no ótimo filme Henry & June.)

Eu protesto, aqui diante de cada um de vocês – eu protesto, como se fosse um advogado póstumo do grande, incomparável, insubstituível celebrador de mulheres que foi Henry Miller.

9 – Charles Dickens

"Viajante compulsivo, Dickens escreveu a um amigo que não conseguia escrever direito longe da inspiração proporcionada pelas “luzes mágicas” das ruas londrinas."

Estou obcecado por Dickens. Por várias razões. Por sua imensa simpatia pelos pobres, pelos desfavorecidos. Pela sua generosidade pessoal. Pelo seu caráter, que fez um contemporâneo afirmar que ele jamais perdeu um amigo ou ganhou um inimigo. Pelo brilho de sua imaginação como romancista. E por ele ter descrito como ninguém a Londres de seu tempo. Viajante compulsivo, Dickens escreveu a um amigo que não conseguia escrever direito longe da inspiração proporcionada pelas “luzes mágicas” das ruas londrinas.

Por isso tenho lido romances seus e algumas biografias. (O iBooks me dá acesso a um material extraordinário de e sobre Dickens, gratuitamente.)

Mas.

Mas me ficou a sensação de que Dickens deveria ter lido Demócrito, o filósofo grego da Antiguidade. Especificamente, uma sentença de Demócrito: “Ocupe-se de pouco para ser feliz.” Dickens era claramente hiperativo, e o excesso de ação acabou por matá-lo cedo, aos 58 anos. Ele teve um derrame durante um jantar e morreu pouco depois.

Pouco tempo antes de morrer, ele escreveu para seu grande amigo John Forsters: “Não consigo sossegar senão com ação. Fiquei incapaz de relaxar. Estou convencido de que vou enferrujar, quebrar, morrer se eu me poupar. Melhor morrer fazendo coisas.”

Forsters posteriormente escreveria a primeira e melhor biografia de Dickens. Ao lê-la, uma amiga e admiradora de Dickens comentou: “Estou chocada com a agitação histérica dele. Deve ter sido terrivelmente difícil para sua mulher.” (Foi. Eles acabaram se separando, depois de vinte anos de casamento. Dickens admitiu que a fazia “inquieta e infeliz, e muitas outras coisas.”

Dickens não fazia nada comedidamente. Quando descobriu que poderia ganhar um bom dinheiro lendo para platéias que o adoravam, levou isso a extremos. Ensaiava horas para ler trechos de seus livros. Tinha o trabalho adicional de mexer nos textos para adaptá-los à leitura pública. Interpretava ao ler, com seus dotes de ator. Terminava cada leitura aos pedaços. Tinha que deitar vinte, trinta minutos para se recompor.

Quando caminhava, coisa que adorava fazer, não era com moderação. Andava rápido, e percorria longas distâncias. Conheceu Londres e redondezas nos detalhes nestas supercaminhadas. Em David Copperfield, seu livro favorito e francamente autobiográfico, Dickens diz pela boca do protagonista: “Em tudo que fiz, me entreguei por completo, não poupei nada.”

Os amigos perceberam, a certa altura, que ele estava extenuado, e o aconselharam a reduzir o ritmo. Mas ele continuou a acelerar. Faltou Demócrito em sua vida. Ao morrer em 1870, aos 58 anos, era mais do que admirado por seus leitores – era amado por eles. Enterrado doída e solenemente no Poet’s Corner da Abadia de Westminster ao lado de outros gigantes das letras inglesas como Samuel Johnson e Thackeray, Dickens deixou o legado glorioso de sua obra magistral, mas também mostrou a todos que excesso de trabalho leva a apenas uma coisa: à morte mais cedo.

8 – Jorge Amado

"O ponto comum, entre suas duas fases distintas, foi o amor irrestrito, comovente e indelével do escritor por sua gente, a gente simples do povo."

Jorge Amado entra na lista curta dos maiores romancistas da história. Escrever em português não o ajudou a ganhar o Nobel tão merecido. Nenhum brasileiro ganhou. Mas Saramago, com seu português de Portugal, foi premiado. Como romancista – verve, prosa, histórias que agarram o leitor pelo colarinho e não soltam, versatilidade, constância – Jorge Amado foi catedrático onde Saramago foi aluno. Jorge Amado, depois de Machado de Assis, foi o maior romancista brasileiro. Os dois ombreiam nomes como Tolstoi, Dostoievski, Flauber, Stendhal e os poucos outros que compõem a primeiríssima divisão da literatura mundial.

É o centenário do nascimento de Jorge Amado. O Brasil deveria ter um calendário rico de comemorações. Mas. De novo: mas.

Lamento.

Jorge Amado teve duas fases distintas. Na primeira, o jovem escritor comunista fez romances que embelezam qualquer biblioteca. Dois se destacam. Capitães da Areia, a saga dos meninos pobres das praias de Salvador, já mostrava nos anos 20 que o Brasil não poderia aspirar a muito sem cuidar de suas crianças desvalidas. E Mar Morto, o retrato lírico e desesperado do amor de uma mulher e um pescador, um romance que molha os olhos do leitor ao mesmo tempo que o enleva. Jorge Amado tinha um amor incondicional pela gente humilde, e isso foi uma de suas grandes marcas em todas as fases.

Ainda na fase engajada, O Cavaleiro da Esperança é a história romanceada de Luís Carlos Prestes, o maior líder comunista da história brasileira. Quando o livro foi publicado, nos anos 40, Prestes representava mais ou menos o que Lula representa hoje. A diferença é que Prestes era caçado e passou a maior parte de sua vida na ilegalidade, junto com seu Partido Comunista, ao qual Jorge Amado era filiado.

O tom da fase engajada de Jorge Amado é branco e preto, simbolicamente. Seus romances traem a sua tristeza com o país tão desigual em que vivia.

Esse ciclo terminaria no final dos anos 50, com as célebres revelações, na União Soviética, dos crimes de Stálin. Foram tais e tantos que comunistas do mundo inteiro entraram numa aguda crise existencial.

A resposta de Jorge Amado foi sair do Partido Comunista. Começaria aí a segunda fase do escritor, multicolorida, alegre, cheia de baianas desembaraçadas e fascinantes, como a Tieta de Tieta do Agresta, a Gabriela de Gabriela Cravo e Canela e a Dona Flor de Dona Flor e seus Dois Maridos. A literatura de Jorge Amado deixa de ser triste por causa das injustiças sociais e passa a celebrar a vida porque, como mostram suas personagens extraídas da gente simples, ela pode ser bela.

A grandeza de Jorge Amado foi reconhecida internacionalmente. Foi um romancista global antes da globalização. Seus romances foram traduzidos virtualmente em várias línguas. Não acontecera antes isso com nenhum escritor brasileiro. Depois dele, a fama lá fora se repetiria com Paulo Coelho, com uma distinção. Jorge Amado se valeu de seu colossal talento e Paulo Coelho foi produto de uma mistura de marketing competente, charlatanismo intelectual e misticismo barato.

Jorge Amado foi o primeiro grande caso, no Brasil, de escritor capaz de viver apenas da literatura.

Não recebeu o Nobel, provavelmente por ignorância dos jurados, mas foi reconhecido por leitores em todo o mundo nas duas fases de sua obra. O ponto comum, entre elas, foi o amor irrestrito, comovente e indelével do escritor por sua gente, a gente simples do povo.

7 – Marco Aurélio

"Em ingênua oposição ao cerna da filosofia de Marco Aurélio – a fugacidade de tudo – ouso dizer que suas palavras são eternas."

Marco Aurélio, que comandou o mundo no último grande momento de Roma, personificou o sonho de Platão: o imperador filósofo. Ninguém poderia tornar realidade esse sonho utópico de Platão com tanto esplendor. Como imperador, Marco Aurélio (121-180 d.C.) conduziu uma Roma já ameaçada a um período dourado. Como filósofo, escreveu, em geral em acampamentos de guerra, palavras cuja sabedoria doce e resistente desafia a passagem do tempo – eram reflexões para si próprio, frases curtas e não obstante profundas que giravam, bsicamente, sobre a efemeridade da glória e da vida. Um discípulo, depois da morte de Marco Aurélio, juntou-as num pequeno grande livro ao qual deu o nome de Meditações. Os dias haveriam de converter as Meditações de Marco Aurélio num patrimônio da humanidade.

O pensador francês Ernest Renan, do século XIX, disse que os seres humanos estariam para sempre de luto por Marco Aurélio. Não há exagero aí: conhecer Marco Aurélio é amá-lo. Suas observações são um fabuloso manual de conduta, e o que mais impressiona é que onde poderia haver um tom professoral existe, na verdade, uma imensa e comovedora doçura. Ele não condena a miséria humana, e sim a compreende. Mais do que isso, joga luzes com a força de seu exemplo sobre como lidar com ela. Nos momentos de descrença e desilusão, mas não só neles, é um conforto ter Marco Aurélio por perto.

Releio-o com frequência, e muitas vezes abro as páginas de minha velha edição ao acaso (a melhor tradução de Marco Aurélio para o Brasil é a da série Os Pensadores, da Abril Cultura: um primor). Sugestão do imperador filósofo para o começo de cada dia: “Previna a si mesmo ao amanhecer: vou encontrar um intrometido, um ingrato, um insolente, um astucioso, um invejoso, um avaro”.

Marco Aurélio é útil para uma infinidade de situações cotidianas. Somos extraordinariamente suscetíveis à ideia da glória, e é um convite ao bom senso ouvir, a esse respeito, quem foi o dono do mundo. A arrogância, mostra ele, sustenta-se apenas na ignorância e na ilusão. “Cada um vive apenas o momento presente, breve. O mais da vida, ou já se viveu ou está na incerteza. Exíguo, pois é, é o que cada um vive. Exígua, é a mais longa memória na posteridade, essa mesma transmitida por uma sucessão de homúnculos morrediços, que nem a si próprio conhecem, quanto menos a alguém falecido há muito.”

A grandeza do espírito de Marco Aurélio legou à posteridade exemplos memoráveis. Descoberta uma conspiração e executado sem seu conhecimento o mentor, ele lamentou a perda da possibilidade de perdoar o traidor. Entregaram-lhe a correspondência do conspirador. Ele a queimou ser lê-la. Sua atitude diante da discórdia é inspiradora. Estamos a toda hora brigando com alguém e sendo tomados por sentimentos de rancor e aversão. Em suas anotações, Marco Aurélio disse com majestosa sabedoria: “Sempre que você se desentender com alguém, lembre que em pouco tempo você e o outro terão desaparecido.” É um dos chamados à paz e à concórdia mais simples e mais eficiente. Em ingênua oposição ao cerna da filosofia de Marco Aurélio – a fugacidade de tudo – ouso dizer que suas palavras são eternas.

6 – Rubem Braga

"Com as pequenas pedras da crônica Rubem construiu uma catedral."

Rubem Braga fez como ninguém poesia em prosa no Brasil. Foi o único escritor a entrar para a história da literatura brasileira unicamente pelas suas crônicas. Foi de uma fidelidade comovente a elas. Jamais as trocou por romances ou mesmo contos.

Com as pequenas pedras da crônica Rubem construiu uma catedral.

Lírico, melancólico, romântico, espirituoso, essas eram as marcas centrais do estilo de Rubem. Era um escritor que você podia caracterizar como de esquerda, não pela militância tão comum em seus dias, mas pela raiva que sentia da desigualdade social e pela imensa simpatia que dedicava aos desfavorecidos. Um homem de uma das suas histórias está com sua namorada. Ambos são jovens e humildes. Uma mulher rica e esnobe passa pelo casal e ele deixa  escapar, automaticamente: “aquela vaca”.

Os textos de Rubem estão espalhados, como é tão comum entre os cronistas. Mas há uma coletânea da Record – 200 crônicas – que reúne o melhor dele e enobrece qualquer biblioteca.

Nascido em Cachoeiro do Itapemirim, floresceu no Rio – cujos anos dourados, as décadas de 1940 e 1950, cantou em suas crônicas.

Sempre recomendei a leitura atenta de Rubem Braga a jovens jornalistas interessados em apurar a maneira de escrever. Pouca gente juntou palavras  em português de forma tão bela.  Machado de Assis, Eça de Queiroz, Nelson Rodrigues – e vamos ficando por aí.

O fascínio que Rubem e sua prosa exerciam sobre as mulheres pode ser observado em seus relatos sentimentais.  Teve muitas mulheres, entre as quais se destacou a atriz Tônia Carrero, uma das maiores belezas de sua época. Mas foi, fundamentalmente, um solitário.

Encarou a morte com a naturalidade de um filósofo.  Estava morrendo de câncer no pulmão quando foi a uma casa funerária encomendar um caixão.  O funcionário que o atendeu perguntou para quem era, e não foi sem surpresa que ele soube que era para o próprio cliente ali à sua frente.

Como Montaigne com seus Ensaios, você pode abrir Rubem em qualquer página e iniciar a leitura – da qual há grandes chances que saia encantado.

5 – Arthur Schopenhauer

"Foi, como seu conterrâneo alemão Karl Marx, não apenas um filósofo mas um estilista soberbo. Tinha a ênfase irresistível dos grandes prosadores."

Se você acordar no inferno, vai pensar que simplesmente está levando a vida de sempre.

Este é um conceito básico de Arthur Schopenhauer, o grande escritor do pessimismo.  Schopenhauer dizia que a pior coisa que podia acontecer a alguém é nascer.

E no entanto você não sai deprimido das páginas de Schopenhauer. Porque você aprende com ele que não é só você que sofre. Todos sofremos. Todos enfrentamos dores e decepções do primeiro ao último dia.

A fonte maior de infelicidade é achar que só você enfrenta problemas enquanto todos os outros riem e vivem uma festa perene. Schopenhauer põe você na companhia de toda a humanidade. Com ele, como escreveu um biógrafo, você aprende a olhar para fora, para além de você – e isso é vital para a saúde da mente.

Foi, como seu conterrâneo alemão Karl Marx, não apenas um filósofo mas um estilista soberbo. Tinha a ênfase irresistível dos grandes prosadores. Dizia, por exemplo, que a maior parte dos livros é tão ruim que não mereciam ter sido escritos. Quando lhe perguntaram o que mais havia na sua  Berlim, respondeu: “Tolos.”

Schopenhauer entendia que tudo é fruto de nossa mente. “Posso enxergar uma coisa, e você outra. Uma terceira pessoa pode achar que estamos ambos errados, pois vê algo diferente. Estamos todos equivocados, e no entanto certos.” Com isso ele estava dizendo para que sejamos tolerantes com opiniões alheias, pois nossas verdades são mais pessoais que absolutas.

O pessimismo de Schopenhauer derivou, em boa parte, das filosofias orientais em que mergulhou jovem. Há uma afinidade clara entre suas teses e o budismo. Num caso e no outro, o sofrimento aparece como o fato primordial da existência.

Não surpreende que tenha dado o nome de Atma – alma, em sânscrito – a seu único companheiro na vida adulta, um poodle. Morto Atma, substituiu-o por uma réplica dele. Numa de suas maiores frases, Machado de Assis, outro pessimista de gênio, escreveu em Memórias Póstumas que não deixou a ninguém o legado da miséria humana. Schopenhauer fez o mesmo: jamais teve um filho. Levou a sério o que escreveu.

Num ensaio sobre o amor, disse que quando dois jovens amantes trocam olhares há um ar recolhido, quase secreto porque eles no fundo sabem que, levando adiante o que desejam, gerarão mais sofredores.

Soube viver de acordo com suas idéias e soube morrer. Poucos dias antes de sua morte, em 1860, perguntaram  a ele como achava que a posteridade o trataria. Indiferença? Desprezo?  “A posteridade me encontrará”, disse ele.

Foi uma de suas raras frases otimistas – e absolutamente certa.  A posteridade encontrou Arthur Schopenhauer e, paradoxalmente, encontrou conforto nele que foi o mais pessimista dos filósofos.

4 – Eça de Queiroz

"Eça é um autor fundamental. Numa vida breve – morreu em 1900, aos 55 anos — construiu uma soberba pirâmide literária."

Poucos finais de romances são tão pertubadoramente belos e filosoficamente profundos como o de Os Maias, De Eça Queiroz.

Carlos e Ega, dois amigos de uma vida toda, erram pelas ruas de Lisboa. As ilusões da juventude já haviam sido trituradas pelo tempo, e eles constatam que quase nada do que sonharam tinha se tornado realidade. O grande livro que Ega escreveria – até título já tinha: Memórias de um Átomo – jamais chegou a ser escrito e publicado. Carlos não se recuperou de uma paixão alucinada, carnal por uma mulher que ele desconhecia ser sua irmã, Maria Eduarda.

A vida que se realiza não é aquela com que sonhamos, refletem. E então a frase que ficou permanentemente gravada em minha mente: “Ah, éramos jovens, éramos jovens.”

Eça é um autor fundamental. Numa vida breve – morreu em 1900, aos 55 anos —  construiu uma soberba pirâmide literária. O estilo exuberante, descritivo como mandava a escola naturalista à qual ele se filiou, se mesclou com características deliciosas em sua prosa. Eça, como os intelectuais progressista de seus dias, era fanaticamente anticlerical. Os padres e a igreja representavam, para ele, o atraso. E era absurdamente cru  na forma como tratava o sexo em seus livros. Os personagens de Eça são governados pelo anseio sexual.

O Crime do Padre Amaro, um de seus clássicos, traz tudo isso: a repulsão à batina e o império dos sentidos. Amaro seduz e consequentemente devasta uma jovem crédula, Amélia. Amaro era como a representação de todos os padres e em Amélia estava a sociedade portuguesa. Eça estava como que dizendo que Portugal fora sodomizado e atrasado pelos padres católicos.

O anticlericalismo está presente de forma bem mais divertida em outra obra de Eça, A Relíquia. Raposo é um espertalhão que pretende entrar na herança da tia rica e carola. Ele vai para Jerusalém para agradar a velha. Pega, no final da viagem espiritual, uma relíquia para ela, e tudo ia terminar bem se ele não tivesse colocado numa caixa exatamente igual a calcinha de uma mulher libertina que ele conquistara na viagem. Quando a tia abre o presente, não é a relíquia que ela encontra – mas a peça íntima de uma mulher lasciva. Antes de ser desmascarado, Raposo fizera coisas como pegar água da torneira e vendê-la em garrarinhas como se fosse água santa do Jordão.

Como outros grandes autores do século XIX, Eça criou uma adúltera notável. É Luiza, de O Primo Basílio. Basílio, um canalha total, se aproveita da fragilidade de sua prima, bem como da ausência prolongada do marido desta. O caso entre eles é descoberto pela empregada de Luiza, que a chantageia e tortura até virtualmente liquidá-la.

Machado de Assis, o grande contemporâneo brasileiro de Eça, escreveu uma crítica antológica sobre O Primo Basílio. Foi duríssimo. Disse que a única lição que se extraía do livro é que a “boa vontade dos fâmulos é essencial para a paz no adultério”. Foi a primeira vez que li a palavra “fâmulo” – empregado, servo. Machado evidentemente exagerou. Mas sua crítica, de toda forma, acabou por ampliar a repercussão do romance de Eça, em vez de diminuí-la. Outro contato extraordinário entre os dois se deu numa dedicatória que Machado fez a Eça num romance que lhe deu. É provavelmente a dedicatória mais seca que um escritor já fez: “De Machado de Assis para Eça de Queiroz”.

As comparações entre os dois gênios são inevitáveis. Machado era contido e sutil. Insinuava, em vez de afirmar. Eça jorrava. Não falava: berrava. A adúltera de Machado, Capitu, você nem tem certeza de que traiu o marido. A Luiza de Eça entregou a carne toda ao primo cafageste. Cada qual de seu jeito, eram gigantes, e é simplesmente impossível dizer qual dos dois é melhor.

Li, em minha juventude, Eça com uma caneta ao lado para sublinhar e anotar as frases que mais me marcavam. Uma delas lembro ainda hoje com vividez: “Braços que se desenlaçam em despedidas supremas”. Mais de uma vez a usei em textos de Fabio Hernandez, o “escritor barato” que foi meu pseudônimo por tantos anos. Visitei Póvoa do Varzim, a terra de Eça. Era janeiro, e o vento quase arrastava as pessoas. Fui a um cassino local jogar roleta e quase arrumo ao encrenca ao pegar, sem querer, fichas que não eram as minhas. Poucos meses atrás. numa ida a Paris em missão jornalística, acabei dando numa estátua de Eça num subúrbio. Eça viveu em Paris como diplomata. Sentei num banco e contemplei por alguns minutos Eça antes de partir.

Os Maias é meu Eça favorito.  Admiro o patriarca Afonso Maia, em cuja força interior inquebrável vejo algo de meu pai.  Tanto me marcou que quis muito dar a minha filha caçula o nome de Maria Eduarda. Fui batido pelo conselho familiar, representado por minha ex-mulher e meus dois filhos, então pequenos mas já cheios de opiniões próprias. (Acabou prevalendo Camila, e hoje digo que minha ruiva maravilhosa não poderia ter mesmo outro nome.)

Tantos anos depois de ter lido Os Maias, e ocasionalmente relê-lo, a cena final ainda me toca. Quantas vezes, ao olhar para trás, digo para mim mesmo: “Ah, éramos jovens, éramos jovens.”

3 – Graham Greene

"Era um livre pensador, um filho amado e rebelde do império britânico."

Graham Greene foi uma paixão à primeira lida.

Meu pai me deu O Cônsul Honorário quando eu era adolescente, nos anos 1970. Li, me apaixonei e acabaria lendo todo Greene nos anos seguintes.

Papai tinha uma afinidade clara com Greene: eram ambos católicos. Papai admirava em Greene a fé inquieta, heterodoxa, feita de dúvidas e questionamentos. O Vaticano admirava Greene bem menos que papai: Greene foi para o índice de autores censurados com O Poder e a Glória, um romance cujo herói é um padre bêbado, covarde e sexualmente corrupto.

É um romance passado no México revolucionário da década de 1940, quando os padres católicos foram caçados e exterminados.

Em O Poder e a Glória aparece um típico personagem de Greene que me deixaria mesmerizado: o herói relutante. O padre de Greene acaba encontrando a redenção num gesto heróico que faz contra todas as probabilidades.

Greene estava dizendo o seguinte: os seres humanos somos horríveis, mas existe sempre a possibilidade gloriosa da redenção.

Greene era um mestre também das situações românticas. Mas do seu jeito. Em O Cônsul Honorário, passado na América Latina da época das ditaduras militares, um médico, Eduardo Plarr, se apaixona por uma mulher casada. Era exatamente a mulher do cônsul honorário do título – um inglês bêbado vagabundo sem nenhuma importância que acaba sequestrado por engano por guerrilheiros. Entre os guerrilheiros está um padre, Rivera, que diz que aderiu às armas porque não aguentaria esperar por “outro João 23”. João 23 foi um papa de esquerda, claramente empenhado em lutar pelos pobres.

Rivera era outro personagem que o Vaticano abominaria.

Escrevi alguns artigos de política na Época sob o pseudônimo de Eduardo Plarr. Assim como escrevi um conto para a Vip sob o pseudônimo de Maurice Bendrix, o anti-herói de Fim de Caso.

Fim de Caso é um dos romances de Greene mais interessantes do ponto de vista dos relacionamentos amorosos. Bendrix tem um caso com uma mulher casada e católica. Quando ele descobre que ela está doente e vai morrer, passa a insultar o Deus em que ela tanto acreditava. Bendrix tem um sentimento complexo em relação ao marido dela – simpatia, piedade e ao mesmo tempo ciúme e ódio.

É algo que você encontra em Plarr. Ele sente uma coisa parecida pelo homem com cuja mulher está dormindo. E também em Os Comediantes, outro de meus Greenes favoritos. O narrador, em mais um romance passado no Haiti sob a ditadura de Papa Doc, se envolve com a mulher de um diplomata. O herói relutante de Os Comediantes é um mentiroso compulsivo que para impressionar as pessoas diz que teve passagens épicas em guerras. Ele acaba sacrificando a vida na primeira vez em que de verdade participa de uma ação militar. Morre tentando ajudar os revolucionários do país em que estava a se livrar da ditadura corrupta.

Greene, um homem de esquerda que abominava os Estados Unidos sem sentir nenhuma inclinação pela União Soviética, se beneficiou da era em que a Grã Bretanha foi um império em que o sol não se punha. Como era comum então entre os britânicos, viajou pelo mundo e pôde situar seus livros em partes distintas.

Era um livre pensador, um filho amado e rebelde do império britânico. Foi até o fim amigo e uma espécie de advogado moral de Kim Philby, o maior espião que a Inglaterra jamais conheceu. Philby, que ocupava um alto posto no serviço de inteligência britânico, o MI 5. Greene dizia que a verdadeira ignomínia estava em trair um amigo, e não um país.

Que ele não tenha ganho o Nobel é algo que depõe não contra ele, mas contra a Academia Sueca. Durante muito tempo, no fastígio de Greene como escritor, nos anos 60 e 70, toda vez que chegava a época de anunciar o Nobel de Literatura seu nome era citado como um forte candidato. O prêmio nunca foi dado. A versão mais acreditada que correu é que Greene pagou o preço de ter sido amante da mulher de um dos jurados da Academia Sueca.

É uma honra, um privilégio, uma alegria eu estar vivendo uma temporada na Londres de Greene.

Li, claro, as duas autobiografias que Greene escreveu. O episódio que mais me impressionou foi a roleta russa que ele fez na juventude para vencer o tédio.

Greene colocou uma bala no tambor que alojava seis, girou-o e apertou o gatilho. Nada. Fez mais uma vez, depois. Nada.

Já não queria mais então jogar esse jogo. Mas antes de se livrar do revólver considerou que era justo dar mais quatro chances a ele para igualar as coisas. Tambor de seis balas, e portanto seis vezes o gatilho tinha que ser apertado, na precisa ainda que estranha lógica de Greene.

Silêncio sempre.

Graças a Deus.

2 – Machado de Assis

"Eu próprio tenho um conto favorito, que li dezenas de vezes, Um Capitão de Voluntários, o relato de um caso de amor e traição, honra e morte, no tempo da Guerra do Paraguai."

Se um homem vive onde estão seus livros, meu lugar é São Paulo, embora aqui em Londres eu já tenha montado uma biblioteca respeitável. A oferta de livros em Londres é inacreditável, antigos, novos, em capa dura ou em paperback. Se não bastasse, há um sebo na esquina de casa. Livros a uma libra lá, às vezes duas, e bons. Alguns, raros, são mais caros. Comprei uma biografia de  Napoleão, de um renovador do gênero, Emil Ludwig, por 20 libras, uns 60 reais. É uma obra de 1925, notável.

Trouxe uns poucos livros de São Paulo, em minha recente passagem por lá. Um deles, sei lá por que, é uma biografia de Machado de Assis pela crítica literária Lúcia Miguel Pereira, morta já há algumas décadas. Chama-se apenas “Machado de Assis”, e se eu não soube a razão pela qual o enfiei na mala, depois de relê-lo, com décadas de intervalo, me sinto amplamente recompensado.

Não creio que exista outro livro que mostre com mais agudeza Machado como homem e escritor. “O livro de Lúcia Miguel Pereira veio nos revelar um Machado de Assis que está todo nos seus livros, nos seus contos, nos seus romances”, escreveu José Lins do Rego. “Mas até Lúcia Miguel Pereira ninguém sabia disso.”

Meu exemplar traz anotações minhas de décadas atrás. É um hábito que eu deveria ter mantido. Recomendo a todos. Quando você revê um livro, as placas estão todas lá, e o aproveitamento é melhor.

Em relação ao escritor, Lúcia defende a tese de que Machado foi melhor como contista do que como romancista. Meu pai, machadiano, várias vezes me chamou a atenção para a qualidade dos contos de Machado, como O Alienista, a Cartomante e a Teoria do Medalhão, entre tantos outros. Eu próprio tenho um conto favorito, que li dezenas de vezes, Um Capitão de Voluntários, o relato de um caso de amor e traição, honra e morte, no tempo da Guerra do Paraguai. O narrador tem um caso fugaz com a mulher de um homem que ele admirava, e este decidi, desiludido, se alistar como voluntário na guerra, onde tem uma conduta heróica e suicida. O traidor é tomado por — como gosto dessa frase — “um remorso que não é grande senão por me fazer sentir pequeno”.

Mas é no romance, para mim, que Machado se agiganta e não deve nada a qualquer romancista em todo o mundo e em todos os tempos. É com o romance que o escritor ergue suas pirâmides, para usar uma expressão de Guimarães Rosa, não com contos. Dom Casmurro, Braz Cubas e Quincas Borba cabem em qualquer seleção de clássicos que você tem que ler e reler. Mas ele foi bom em tudo, incluído aí o ofício de crítico literário.

Revejo minhas anotações e gosto delas.

Uma conversa numa festa mostra a presença de espírito de Machado. Ela está falando desenvoltamente quando uma mulher da sociedade observa: “Tinham me dito que o senhor é gago, mas é menos do que me disseram.” Machado responde: “Pois tinham me dito que a senhora é estúpida, mas é menos do que eu imaginava.”

Uma outra passagem me chama a atenção para o homem que foi Machado. O respeito que ele inspirava. Como crítico, Machado devastou O Primo Basílio, de Eça, seu grande contemporãneo português. A única coisa que se extraía do livro, segundo ele, era que para a “paz no adultério” era vital ter uma empregada confiável. A heroína do livro, Luiza, foi chantageada cruelmente por sua criada depois de se entregar a seu primo quando o marido viajava. Machado usou “fâmulos”, uma palavra sonora e infelizmente extinta. Significa criadagem.

É talvez a melhor crítica jamais escrita no Brasil. A mais aguda, a mais contundente, a mais sagaz.

E releio no grande livro de Lúcia Miguel Pereira — procuro no Google sinais de que tenha sido reeditado recentemente, e lamento não encontrar nada — que quando Eça teve problemas de direitos autorais no Brasil, por conta de editores inescrupulosos, encarregou de representar seus interesses ninguém menos que o crítico que massacrara uma de suas obras capitais.

É um episódio que conta muito de dois escritores portentosos — e destacá-lo é um dos muitos méritos do livro de Lúcia.

1 – Michel de Montaigne

"Disse já várias vezes. Gosto de abrir Montaigne ao acaso, e ler ou reler alguns de seus ensaios."

Como se expressar, seja escrevendo, seja falando? Essa é uma das questões presentes desde sempre para a humanidade. Na vida profissional ou amorosa, numa apresentação de trabalho a seus chefes na empresa ou numa mera conversa de bar, comunicar-se bem faz toda a diferença. Muitos sábios se detiveram nesse tema. Quase todos condenaram a verborragia, a eloquência desmedida, a suntuosidade verbal. A opção é pela simplicidade e pela breviedade. Uma pessoa afetada na maneira de falar ou escrever é afetada, em outras esferas. “A verdade precisa falar uma linguagem simples, sem artifícios, escreveu um filósofo da Antiguidade.

Disse já várias vezes. Gosto de abrir Montaigne ao acaso, e ler ou reler alguns de seus ensaios.

Montaigne (1533-1592) dedicou linhas brilhantes ao assunto em seus Ensaios. Montaigne conta duas histórias instrutivas e divertidas. Numa delas, os embaixadores de uma cidade grega tentavam convencer o rei de Esparta a aderir a um esforço de guerra. O espartano deixou-os falar longamente. Depois disse: “Não me lembro do começo nem do meio da argumentação de vocês – quanto à conclusão, simplesmente não me interessa”. Na outra história, dois arquitetos atenienses disputavam a honra de construir um grande edifício. A platéia, à qual cabia a escolha, ouviu um grande discurso do primeiro arquiteto. As pessoas já se inclinavam por ele quando o segundo disse apenas: “Senhores atenienses, o que este acaba de dizer eu vou fazer”.

Montaigne cita seu pensador predileto, o romano Sêneca, segundo o qual nos grandes arroubos da eloquência há “mais ruído do que sentido”. Escreveu Montaigne: “Gosto de uma linguagem simples e pura, a escrita como a falada, e suculenta, e nervosa, breve e concisa, não delicada e louçã, mas veemente e brusca. Uma linguagem não pedante, fradesca ou de advogado, mas de preferência soldadesca como Suetônio qualifica a de Júlio César, embora eu não perceba bem por que”.

Os espartanos eram admirados por Montaigne pela simplicidade com que viviam e se esxpressavam. Ele conta que uma vez perguntaram a uma autoridade de Esparta porque não colocavam por escrto as regras da valentia para que os jovens pudessem lê-las. A resposta foi que os espartanos queriam acostumar seus jovens antes aos feitos do que às palavras: O mundo é apenas tagarelice e nunca vi homem que não dissesse mais do que me-nos do que devia, disse Montaigne.

Outro mestre de Montaigne, Plutarco, autor de Vidas Paralelas, mostrou que falar de-mais pode ser perigoso: “A palavra expõe-nos, como nos ensina o divino Platão, aos mais pesados castigos que deuses e homens podem infligir, disse Plutarco. “Mas o silêncio jamais tem contas a dar. Nâo só não causa sede como confere um traço de nobreza”. Não falar nada é, não raro, a melhor coisa que temos a dizer, mas uma força irresistível parece sempre nos empurrar para o “mundo da tagarelice” tão bem definido por Montaigne. E então estamos condenados a produzir “mais ruído do que sentido” para lembrar a grande sentença de Sêneca.

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Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Antes de migrar para o jornalismo digital e dirigir o site Diário do Centro do Mundo foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.

Diário do Centro do Mundo – Escritores que Amo

05/01/2013

A entrevista mais interessante que fiz em minha carreira

Filed under: Paulo Nogueira — Gilmar Crestani @ 11:33 pm

Paulo Nogueira31 de dezembro de 201216

Quando ouvi, na década de 80, a líder sandinista Nora Astorga percebi que jamais esqueceria

UM AMIGO, Marcelo, me avisa que a pergunta que fiz a Paul McCartney na entrevista em que ele lançou o cd e dvd Good Evening New York City foi parar na Wikipedia. Quis saber de Paul, como já escrevi, a música pela qual ele gostaria de ser lembrado pela posteridade. Ele pensou alguns momentos e respondeu Maybe I’m Amazed, uma balada agridoce feita no começo dos anos 70 pouco depois do fim dos Beatles. No espaço dedicado a Maybe I’m Amazed na Wikipedia, está registrado que esta é a música pela qual Paul desejaria que o recordassem, e é feita uma conexão para o texto que escrevi no Diário do Centro do Mundo.

Um outro amigo, Mental, me pergunta, inspirado na questão que coloquei a Paul, qual a entrevista que mais gostei de fazer em minha carreira. É uma resposta relativamente fácil. Em meados dos anos 80, numa curta estada na ISTOÉ quando eu era ainda quase um garoto, entrevistei Nora Astorga, então diplomata da Nicarágua sob o governo sandinista. Cosmopolita, com passagens pelos Estados Unidos e pela Europa nos tempos de estudante, ela viera ao Brasil para uma reunião em Brasília, e tive a oportunidade de conversar, olho no olho, com uma personalidade que me fascinava fazia tempo. Bonita, culta, sofisticada, nascida em uma família rica, advogada da elite nicaraguense durante os anos do governo do general Anastacio Somoza, Nora Astorga tinha uma história sensacional. Era a Judite da Nicarágua. Como a heroína israelita bíblica que atrai o comandante inimigo para um encontro sexual e lhe corta a cabeça depois de fazê-lo beber vinho em grande dose, Nora Astorga, em 1978, armara uma emboscada amorosa para um general somozista, apelidado El Perro pelo seu retrospecto. Convidara-o para uma noite de amor em seu apartamento em Manágua. Quando o general bateu à porta, encontrou não sexo com a bela señora e sim a morte pelas mãos de três militantes sandinistas que o esperavam. Nora, depois daquela noite, rompeu com a vida dupla que levava e desapareceu na clandestinidade, de onde só sairia com a vitória do movimento sandinista, em 1979. Só aí reviu seus quatro filhos pequenos, dois de cada casamento.

Como diplomata da Nicarágua depois da vitória da Revolução Sandinista

Nora era uma das figuras mais importantes do novo governo sandinista. Seu passado cobrava-lhe um preço não apenas na consciência e na saúde, como eu perceberia na conversa, mas também na carreira. Indicada embaixadora da Nicarágua em Washington, o governo americano vetou seu nome por causa da noite em que El Perro – O Cão, em espanhol – foi assassinado. Acabou como representante da Nicarágua na ONU. Fui encontrá-la no quarto do hotel em que ela se hospedara. Estava apreensivo, muito mais do que em duas outras entrevistas que fizera naquela época: no Uruguai, Obdulio Varella, o combativo capitão da seleção uruguaia campeã do mundo em 1950 em pleno Maracanã, e na Argentina Jorge Luiz Borges, o grande escritor argentino. Como seria ela pessoalmente? Como lidaria com a morte do general? Não era, esta última, uma pergunta fácil de fazer, mas eu não podia fugir dela, ainda que a conversa terminasse ali.

ENTREVISTAS boas ou ao menos decentes não escapam de questões ásperas. As consequências são imprevisíveis. Uma vez uma entrevista que a Playboy americana fazia com Robert de Niro, que estourara em Taxi Driver havia pouco tempo, foi subitamente interrompida quando ele, incomodado com uma questão, atirou o gravador na parede. Mais tarde, serenados os ânimos e obtido um novo gravador, a entrevista foi retomada. A Playboy americana elevou as entrevistas a um estado de arte jornalística, e alcançou um patamar de grandeza nesse capítulo jamais igualado. Conversas longas, em várias sessões, e depois editadas com mestria. No Brasil, as conversas que o Pasquim publicou foram o que se fez de mais interessante em entrevista na mídia nacional, uma reprodução primorosa de um encontro no bar em que não faltava, longe disso, cachaça, ou uísque. Isoladamente, em minha vida como leitor, o melhor trabalho que vi foi o do repórter Getúlio Bittencourt, da Folha.

No final dos anos 70, Getúlio, baixinho, largo de compleição, cabelos encaralacolados, mais tarde também conhecido pelo talento como astrólogo, conversou com o general que o presidente Ernesto Geisel escolhera para sucedê-lo, João Baptista Figueiredo. Não foi permitido a Getúlio, morto em junho passado aos 57 anos, anotar nada, e muito menos gravar. Sua memória extraordinária resolveu os problemas. Pouco tempo depois do encontro, a entrevista estava publicada, um clássico instantâneo. “Prefiro cheiro de cavalo a cheiro de gente”, dissera Figueiredo, e essa frase haveria de ser usada contra ele ao longo de todo o seu mandato de último presidente-general. Estar preparado é a recomendação essencial que todo editor faz a um repórter que está no começo. Nos anos 80, o jornalista Elio Gaspari gostava de contar aos jovens jornalistas, entre os quais eu, uma história exemplar. Geisel era presidente da Petrobras e era avesso ao contato com jornalistas. Uma rara vez, abriu uma exceção e concordou em dar uma entrevista. A primeira pergunta que o repórter fez foi a última. “Qual a produção da Petrobras?” Geisel, corretamente, entendeu que seu entrevistador estava despreparado.

Nora, ao contrário de muitas outras personalidades que eu entrevistaria nos anos seguintes, não impôs condições para a conversa. Ela me recebeu com a delicadeza de uma mulher educada. Tinha os cabelos curtos, e estava vestida com elegância sóbria. Era alta e magra, mas não excessivamente. Me ofereceu uma cadeira, e começamos a conversa. Assim que pude, quebrado o gelo, perguntei a ela quais eram suas lembranças da jornada em que atraíra um homem para a morte. “A revolução impõe certas dores”, disse ela num espanhol de primeira aluna da classe. Tinha os olhos levemente marejados, mas em nenhum momento hesitou ao falar do episódio e a voz jamais fraquejou. Tampouco se colocou na defesa. Era uma guerra, e ela estava preparada para morrer desde que aderiu ao movimento sandinista. Ela lembrou, na conversa, um menino que fazia ‘correio’ para os sandinistas, levava e trazia notícias, e que foi morto pouco antes da derrubada de Somoza. Nesse instante vi que seus olhos voaram longe.

Saí do hotel certo de que vivera um dos momentos mais interessantes que o jornalismo me reservaria, e passados mais de 20 anos vejo que estava certo. Entrevistei nos anos seguintes, para publicar ou não, altos políticos, grandes empresários e executivos, escritores premiados, e não me lembro de ter experimento o frêmito que antecedeu aquela conversa. Nora, a Judite sandinista, morreria pouco tempo depois, aos 39 anos, de câncer. Não sei o quanto o sangue de El Perro pode ter cobrado na saúde de Nora Astorga, mas eu não me surpreenderia se a resposta fosse muito.

NÃO TENHO o costume de reler o que escrevi. No começo da carreira, como todo principiante, recortava todos os meus escritos e os guardava numa pasta. Até laudas de textos meus mexidos por jornalistas como José Roberto Guzzo e Elio Gaspari foram para a pasta. Depois, à medida que o cinismo foi tomando conta do repórter sonhador, a pasta foi ficando de lado. Cada vez menos a abria e a alimentava ainda menos, até o momento em que ela simplesmente sumiu de minha visão e de meu interesse. Tentei achar no Google a entrevista com Nora Astorga, mas não a encontrei. Presumo que não tenha sido digitalizada. Às vezes, tenho vontade de rever a pasta de meus artigos até mais ou menos os 30, e o que está por trás desse desejo erradio são as três páginas que resultaram da conversa que tive com a advogada nicaraguense de olhos tristes que não viveu o  suficiente para ver depois da revolução, para repetir o grande verso de Augusto dos Anjos, o formidável enterro de sua quimera – o sonho de uma sociedade igualitária.

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Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Antes de migrar para o jornalismo digital e dirigir o site Diário do Centro do Mundo foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.

Diário do Centro do Mundo – A entrevista mais interessante que fiz em minha carreira

09/12/2012

Instituto Millennium, contudo, sem as putas

Filed under: Instituto Millenium,Paulo Nogueira — Gilmar Crestani @ 3:36 pm

O Instituto Millenium já foi fotografado e a biografia está completa com a publicação do artigo do articulista Gilberto Maringoni, do site Carta Maior: Instituto Millenium: toda a democracia que o dinheiro pode comprar!

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Os pobres não existem para o Instituto Millennium

Paulo Nogueira8 de dezembro de 201226

No mundo, até os plutocratas se preocupam com a concentração de renda. No Brasil não

O Millenium não enxerga este mundo

Não conhecia o Instituto Millennium.

Depois de conhecer, concluí imediatamente que poderia ter continuado a não conhecer.

É o triunfo do arquiconservadorismo nacional. Naveguei pelo site, e vi basicamente uma duplicação desinspirada do que você já vê na grande mídia brasileira: as mesmas pessoas, os mesmos articulistas, as mesmas ideias, o mesmo nhenhenhém.

E a mesma desconexão com o mundo moderno.

Vejamos o que o Millennium tem a dizer sobre o tema mais importante da agenda dos líderes globais: a questão da desigualdade social.

Nada. Simplesmente nada. É como se isso não existisse no Brasil. A história está abarrotada de situações em que a extrema desigualdade levou ao caos social, ou a revoluções. Mas para o Millennium  isto não é um problema brasileiro.

Vejamos.

A desigualdade é o tema de uma reportagem especial desta semana da excelente revista The Economist, conservadora como o Millennium – mas com a diferença de que é competente, lúcida e persuasiva na defesa de seu ideário.

A Economist afirma, com razão, que o movimento Ocupe Wall St trouxe a desigualdade para a mesa dos debates mundiais. Nos Estados Unidos, ela está no centro da campanha de Obama para derrotar Romney e ganhar uma nova temporada na Casa Branca.

Nos últimos 30 anos, escreve a Economist, uma “dramática” concentração de renda nos Estados Unidos remeteu a uma situação “parecida ou pior” do que a que marcou a infame “Gilded Age” do começo do século 20. Foi a era dos “barões ladrões”, como passaram para a história magnatas americanos como os Vanderbilts, e da miséria para a maior parte da sociedade.

Biltmore, a casa de George Vanderbilt II com 250 quartos

Foi um tempo de extravagâncias chocantes. George Vanderbilt II, por exemplo, ergueu ao longo de seis anos na Carolina do Norte a Biltmore, uma mansão de 250 quartos na qual trabalharam 1000 pedreiros. Passados cem anos, a casa de Bill Gates em Seattle não faz feio diante de Biltmore.

A fatia da riqueza nacional das 16 000 famílias mais ricas dos Estados Unidos – 0,01% — quadruplicou nas três últimas décadas. “A ampliação da desigualdade começa a preocupar até os plutocratas”, afirma Economist.

Não os nossos, aparentemente. Ou não, pelo menos, os agrupados no Millennium. Eles parecem ignorar que, quanto menos desigual uma sociedade, menores as chances de radicalismos ou extremismos florescerem.

A despeito dos avanços recentes, o Brasil tem uma iniquidade pavorosa. No mundo da economia, há uma medição para isso, o chamado Coeficiente Gini. Os países escandinavos, como sempre, são os que aparecem no topo dos lugares em que a distribuição de renda é boa.

O Brasil é um dos últimos colocados. Tem disputado com a África do Sul a duvidosa honra de ser o primeiro da relação dos iníquos.

Segundo números do Banco Mundial, os 20% mais ricos do Brasil concentram 43,3% da riqueza nacional. Os 20% mais pobres têm 2,9%.

O Millennium se bate por esse status quo. Brotam de lá as habituais ladadinhas em relação ao excesso de impostos do Brasil. Isso lembra a pregação cínica de Romney, um especialista em achar maneiras de evadir impostos – com o assim chamado planejamento fiscal, uma arte disseminada entre a plutocracia brasileira. (A Receita cobra na Justiça uma dívida de 2,6 bilhões de reais da Globo, presentíssima no Millennium pelo acionista João Roberto Marinho e mais os colunistas de sempre.)

O Millennium defende um mundo velho, feito de privilégios – e é por isso que não influencia e não comove os brasileiros.

Este texto foi publicado no Diário do Centro do Mundo em 15 de outubro de 2012.

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Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.

Diário do Centro do Mundo – Os pobres não existem para o Instituto Millennium

24/11/2012

O bebê de Rosemary

Filed under: Golpismo,Lula,Paulo Nogueira,Rosemary Noronha — Gilmar Crestani @ 11:30 pm

O diálogo entre Rosemay e o cruzeirista e colocador de botox foi encontrado, está na íntegra aqui:

“X – ‘Tô viabilizando tudo.
Y – Eu sei,
meu filho. Por isso que eu conto com você.
X – Nós estamos indo no nosso limite de irresponsabilidade
Y – Não, não…
X – (Ri alto.) Eu dei uns três bi de fiança aqui hoje.”

Sobre o caso Rosemary

Paulo Nogueira24 de novembro de 20124

Acima de tudo, ela é mais uma escada pela qual se tenta pegar novamente Lula

Rosemary

Lula é, certamente, o homem mais odiado pelo chamado 1%, para usar a já histórica expressão do Movimento Ocupe Wall St. (Para os 99%, o posto é de Serra, com o surgimento de uma concorrência potencial em Joaquim Barbosa, o Batman.)

É impressionante o júbilo com que é celebrada pelo 1% qualquer notícia que possa servir de munição contra Lula, o lulismo, o lulo-petismo e outras designações criadas pelos obsequiosos porta-vozes de um grupo pequeno mas barulhento que torce e trabalha para que o Brasil jamais se torne uma Dinamarca, ou uma Noruega, ou uma Finlândia.

São sociedades harmoniosas, não divididas entre 1% e 99%, como o Brasil. Apenas para registro, o Brasil campeão mundial da desigualdade – com todos os problemas decorrentes disso, a começar pela criminalidade – foi obra exatamente deste grupo.

O Estado brasileiro foi durante décadas uma babá do 1%. Calotes em bancos públicos eram sistematicamente aliviados em operações entre amigos – mas com o dinheiro do contribuinte. Cresci, como jornalista, nos anos 1980, com o Jornal do Brasil transformando dívidas com o Banco do Brasil em anúncios.

Este é apenas um caso.

O BNDES foi sequestrado, também, pelo 1%: a inépcia administrativa de tantas empresas familiares mal-acostumadas com a reserva de mercado era premiada com operações de socorro financeiro. Sempre com o dinheiro do contribuinte.

Apenas para registro também, lembremos que a reserva de mercado sobrevive ainda – não me pergunte por que – na mídia que tanto clama por competição, mas para os outros.

O 1% detesta Lula, não porque Lula tenha nove dedos, ou seja metalúrgico, ou fale errado, ou torça pelo Corinthians. Detesta Lula porque ele não representa o 1%. Se representasse, todos os seus defeitos seriam tratados como virtudes.

Não votei em Lula nem em 2002 e nem em 2006. Portanto, não tenho mérito nenhum na sua chegada à presidência e na consequente mudança de foco do governo – ainda que cheia de erros — rumo aos 99%.

Mas não sou cego para não enxergar o óbvio. O maior problema do Brasil – a abjeta desigualdade social – começou ao menos a ser enfrentado sob Lula.

Hoje, quando homens públicos em todo o mundo elegem a desigualdade social como o mal maior a debelar, parece óbvio que Lula tinha mesmo que prestigiar os 99% ao se tornar presidente.

Mas nenhum presidente na era moderna nacional viu o óbvio. Mesmo ao brilhante Fernando Henrique Cardoso – de quem ninguém pode subtrair o mérito por derrubar a inflação – escapou o óbvio. Tente encontrar alguma fala de FHC, na presidência, sobre o drama da iniquidade social.

É dentro desse quadro de colossal ódio a Lula que se deve entender a forma com quem está sendo tratado o caso de Rosemary Nóvoa de Noronha, indiciada por corrupção pela Polícia Federal em suas funções como chefe do escritório do gabinete da presidência em São Paulo.

Rosemary foi demitida imediatamente por Dilma, e agora vai responder pelas suas supostas delinquências, como um cruzeiro e uma plástica na faixa, pelo que foi noticiado.

Mas ela é personagem secundário na chamada Operação Porto Seguro. O protagonista é Lula, que a indicou. Nos artigos sobre a história, Lula ocupa o pedestal. “A mulher do Lula”, escreveu alguém.

Rosemary é uma escada pela qual, mais uma vez, se tenta pegar Lula. Estaria Lula envolvido na plástica suspeita de Rosemary? E no cruzeiro? O dinheiro terá vindo do valerioduto?

Chega a ser engraçado.

Tenho para mim o seguinte. Se os lulofóbicos dedicassem parte da energia que consomem em odiá-lo na procura honesta de formas de convencer os eleitores de que são mais capazes que Lula para combater a desigualdade social, eles já estariam no Planalto a esta altura, e do jeito certo, numa democracia: pelas urnas.

Diário do Centro do Mundo – Sobre o caso Rosemary

08/10/2012

Reflexões sobre o mensalão

Filed under: Ação 470,Paulo Nogueira — Gilmar Crestani @ 7:20 am

Paulo Nogueira

PAULO NOGUEIRA 6 de Outubro de 2012 às 11:44

Vejo com reserva, na mesma linha, a tentativa de transformar o ministro Joaquim Barbosa num herói. Batman, é o que dizem

O Mensalão merece algumas reflexões.

Primeiro, e acima de tudo, é uma bobagem imaginar que o Brasil seja campeão mundial de corrupção na política. Pior ainda: que o PT tenha levado o grau de corrupção a níveis inéditos no Brasil.

Apanhe um mapa-múndi, gire ao acaso e pare com um dedo em qualquer país. Você vai encontrar ali um escândalo recente.

Na civilizadíssima Inglaterra, por exemplo, políticos de todos os partidos ficaram há pouco tempo desmoralizados quando um jornal publicou despesas pelas quais eles pediam reembolso com o dinheiro do contribuinte.

Um usou o dinheiro público para construir uma casa para patos na piscina de sua casa no campo. Outro se reembolsou do dinheiro que pagou para a afinação de um piano. Um terceiro tomou de volta as libras que dera numa missa. E o marido de uma ministra se reembolsou do aluguel de fitas pornográficas.

Na Índia, gurus têm lutado energicamente contra a corrupção com jejuns, mantras e armas do gênero. Na Rússia, chefes da KGB viraram multimilionários com a compra a preço de banana de empresas estatais pós-União Soviética.

E os Estados Unidos, bem, ali o mundo político está absolutamente vinculado às grandes corporações que patrocinam os dois partidos que monopolizam o poder com a mesma diferença que existe entre Coca e Pepsi.

O candidato republicano Mitt Romney é um mestre na arte de driblar – de forma legal mas amoral – impostos. E pode muito bem ser o próximo presidente americano. Na China, Bo Xilai, o homem poderoso incumbido de acabar com as gangues numa megacidade de mais de 30 milhões de habitantes, tomou propinas, tentou acobertar um crime cometido por sua mulher – e agora provavelmente vai terminar seus dias na cadeia.

O Brasil não é diferente dos demais países.

Isto posto, é bom que o Brasil julgue com seriedade o Mensalão e puna quem prevaricou. Como gosta de dizer o jornalista inglês Scott Moore, titular de uma coluna de futebol no Diário, todo mundo concorda com isso – até a mulher dele, que sempre é do contra.

Comprar congressistas venais para aprovar projetos do governo é indefensável. E se os projetos fossem excepcionalmente bons para a sociedade? Mesmo assim. Os meios são decisivos para o fim.

Eis agora uma oportunidade de melhorar a política brasileira, é verdade. Mas, não esqueçamos, isso poderia ter sido feito antes, quando foram negociados votos também no Congresso para que FHC pudesse ter um segundo mandato.

Qual a diferença fundamental entre uma compra e outra? Basicamente nenhuma – descontado o barulho que a mídia estabelecida faz agora e deixou de fazer então.

O estardalhaço histérico tem um nome: manipulação. A voz rouca das ruas de alguma forma percebe isso, em sua sabedoria simples e instintiva, e é por isso que as consequências nas urnas não refletem o que você lê e ouve na tevê, nos jornais e nas revistas. O povo suspeita que, por trás do moralismo extremo, pode estar gente simplesmente tentando bater sua carteira.

Vejo com reserva, na mesma linha, a tentativa de transformar o ministro Joaquim Barbosa num herói. Batman, é o que dizem.

Não entro no mérito do desempenho de JB no julgamento do Mensalão. É, aparentemente, correto nas linhas essenciais. Mas o exagero com que o louvam se destina, em boa parte, a dar uma dimensão apocalíptica que o Mensalão, efetivamente, não tem. Subestimar o caso é um erro, mas igualmente equivocado é superestimá-lo.

E é o que a mídia vem fazendo.

O Brasil tem que passar pelo mesmo processo em curso na Inglaterra. Um juiz ilibado, apartidário, Lorde Leveson, está no comando de uma comissão que discute a ética na mídia: o que se pode e o que não se pode fazer.

Sob câmaras que transmitem ao público todas as sessões, numa demonstração de transparência absoluta, Leveson tem sabatinado toda sorte de gente relevante para que se aprimore a mídia.

O primeiro-ministro David Cameron foi indagado sobre a natureza de sua relação com pessoas ligadas a Rupert Murdoch, o imperador agora desmoralizado da mídia britânica. Murdoch mesmo foi ouvido não uma, mas duas vezes pela Comissão Leveson.

Empresas jornalísticas, este o ponto de partida da Comissão Leveson, não estão acima do bem e do mal. São organizações com fins lucrativos, não filantrópicos, e no caso inglês o que ficou claro é que a volúpia por furos e consequentemente mais vendas e mais dinheiro levou à perda de limites. Daí a necessidade de rediscutir o jornalismo.

O que sempre me pareceu complicado é o seguinte: quem seria Leveson no Brasil? Minha melhor resposta, neste momento, é: Joaquim Barbosa. Não por ser Batman, mas por fazer essencialmente o que se espera que um juiz faça. E também porque ele estaria a salvo de clichês previsíveis — partidos das grandes corporações jornalísticas — como o de que por trás da discussão estaria o desejo de amordaçar a mídia.

Reflexões sobre o mensalão | Brasil 24/7

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