Com a queda do Muro de Berlim os EUA construíram o Muro do México!
Muito estranho mas ao mesmo tempo muito coerente o comportamento do colunista da Folha, Clóvis Rossi. Fala com autoridade sobre o que aconteceu ou deixou de acontecer nas ditaduras sul-americanas, mas não põe uma vírgula a respeito daquilo que seu patrão resolveu chamar de ditabranda. Descobre agora o que a ALCA está produzindo no México graças à subserviência aos EUA. Fala do Muro de Berlim mas não fala do Muro que os EUA construiu na fronteira com o México. Se o México é tão bom para a ALCA por que seu povo não é tão bom para os EUA?
Se o México pode servir de porta de entrada para as toneladas de cocaína consumida nos EUA porque o povo Mexicano está proibido de passar por onde passa a cocaína? Clóvis Rossi poderia lembrar que Peña Nieto é da mesma estirpe de FHC, Carlos Menem e Fujimori. Mas um colunista da Folha jamais faria isso. Ao mesmo tempo festeja que nos demais países latinos o slogan “vivos levaram, vivos queremos”, silencia a respeito das milhares de vidas ceifadas pela ditadura brasileira. Não escreve nenhum linha a respeito do movimento que pede o retorno da ditadura no Brasil nem considerações a respeito das reiteradas decisões do Poder Judiciário contrário ao julgamento dos criminosos da Ditadura. Clovis Rossi poderia cobrar explicações porque nossos Tribunais Superiores estão protegendo criminosos de crimes imprescritíveis.
Por falar em corrupção policial, quantas vezes Clovis Rossi falou a respeito da vinculação dos governos do PSDB paulista com o PCC? Por que é tão fácil dar lição de moral de cuecas? Por que não fala do narcotráfico do Brasil, em que um helicóptero com 450 kg de cocaína evapora do noticiário porque seus amigos são parte do todo?!
Clóvis Rossi não entendeu que, com a eleição de Lula, o Brasil seguiu caminho inverso do México. Abandonou o neoliberalismo da ALCA e a entrega das empresas públicas à iniciativa privada, como fez o PSDB com a SABESP. Deixou de tirar os sapatos para entrar nos EUA e se submete às regras de empobrecimento do FMI, como queria e fazia seu amigo FHC. Faltou também citar a velha e sempre atual frase do Porfírio Diaz: "Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos."
CLÓVIS ROSSI
Antes que sejamos México
O caso dos estudantes põe à prova a democracia mexicana e deveria servir de alerta também ao Brasil
Durante meu período como correspondente da Folha em Buenos Aires (1980/83), acompanhei incontáveis manifestações das "Madres" e, depois, das "Abuelas de Plaza de Mayo".
Bravas senhoras, de rostos vincados pelo tempo e pela dor, lenços brancos à cabeça, pedindo que lhes fossem devolvidos os filhos/netos que a repressão fizera desaparecer.
Na verdade, todos haviam sido mortos, mas era preciso gritar, uma e outra vez: "Vivos se los llevaron, vivos los queremos".
Gritos similares ouvi também no Chile e no Uruguai, outros dois países em que a selvageria do aparato repressor fizera vítimas em quantidade industrial.
Acabadas as ditaduras nesses três países e no resto da América Latina, com exceção de Cuba, o grito foi sendo paulatinamente substituído pelas explicações oficiais e/ou pelo julgamento e condenação dos responsáveis pelo genocídio.
Por isso, tomei um choque enorme ao ler que, no México deste 2014, o grito se repetiu. "Vivos se los llevaron, vivos los queremos", entoaram parentes e amigos dos 43 estudantes sequestrados em setembro e desaparecidos desde então.
O dramático nessa história é que, em vez de vivos, os parentes dos desaparecidos ouviram a informação oficial de que provavelmente vão recebê-los na forma de cinzas encontradas em sacos num rio.
Igualmente dramático é que o Brasil parece prestar pouca atenção a um episódio limite para a democracia mexicana, como se o Brasil fosse um paraíso de segurança e não houvesse, cá como lá, um conluio entre parte das forças repressivas e o narcotráfico.
Pondere você mesmo, leitor, se não vale para o Brasil, ao menos parcialmente, o que escreveu Enrique Krauze, intelectual mexicano de referência, sobre seu país para o "El País" desta segunda (10):
"O México requer um sistema de segurança e de justiça que proteja o bem mais precioso, a vida humana. A incessante maré do crime não só deve deter-se, deve retroceder pela ação legítima da lei. Cada dia que passa, o cidadão –decepcionado de todos os partidos, os políticos e a política– afunda ainda mais no desânimo e no desespero".
Pondere também se não vale igualmente o apelo do cientista social Rubén Aguilar Valenzuela, no site Infolatam:
"No México moderno e inclusivo que todas e todos desejamos, é preciso superar a debilidade estrutural do sistema de segurança e de justiça. É uma obrigação irrenunciável dos três níveis de governo e também da sociedade".
Não lembra os debates da campanha eleitoral para presidente, em que tanto Dilma Rousseff como Aécio Neves prometeram envolver o governo central em uma área hoje entregue mais aos Estados, claramente impotentes para conter "a incessante maré do crime"?
É preciso cobrar insistentemente a promessa, sob pena de o Brasil, se tudo continuar como está, cair no estado assim definido (falando do México) pelo colunista Antonio Navalón ("El País"):
"O pacto sinistro entre corrupção política e crime organizado é mortal para qualquer país".