Esta foto é do meu Instagram. Fiz por ocasião do Acampamento Farroupilha, no Galpão da Associação dos Servidores do Poder Judiciário Federal, em 13/09/2012, no Parque da Harmonia.
Não sou muito dado a eventos do tipo gauchescos. Mas vou em função dos amigos, como o foi nessa oportunidade. Lembro como se fosse hoje, até porque fui muito em conta da atração musical. Infelizmente, tinha poucos convidados e, felizmente, os poucos pudemos apreciar mais e melhor este grande artista.
Infelizmente, por estas bandas pouco se conhece, apesar das muitas participações em CDs de músicos destes pagos. Precisou, enfim, ser ouvido no centro do país para merecer este reconhecimento. Tenho e curto alguns dos seus CDs, inclusive os que ele lançou em companhia do Mauro Moraes.
Depois que o lado comercial descambou para o tchê music, uma espécie de axé com gaita, larguei de mão. Além disso, a RBS se apropriou do gauchismo como movimento de tradição para adestar ainda mais a manada gaúcha. Não é por acaso que ela, a RBS, tenha dois senadores (Ana Amélia Lemos e Lasier Martins), e os gaúchos apenas um (Paulo Paim).
O gênio desconhecido do sul: Lúcio Yanel
sab, 11/07/2015 – 14:19
Atualizado em 11/07/2015 – 20:30
Yamandu já tinha comentado de passagem sobre Lúcio Yanel quando indaguei a razão do seu sotaque argentino. Mas, agora, em Poços de Caldas, o Gabriel Savage me traz mais dados.
No sarau de ontem à noite, Gabriel interpretou várias peças de Yanel. Uma delas, “Pantanal” nada fica a dever aos Estudos de Villa-Lobos. A variedade de sons, de modos de tocar que Yanel criou e Gabriel arrancou do violão – especialmente o modo pampaneiro de tocar -, repito: nada fica a dever aos Estudos de Villa-Lobos, que mudaram a forma de tocar do violão no século 20. Dê-se o devido desconto histórico, é claro, e a dimensão de um (o mundo) e do outro (o sul).
Digo mais: dentro de alguns anos a contribuição de Yanel ao violão será reconhecida como das maiores, um gênio comparável a Garoto e aos grandes formadores do violão brasileiro, por um conjunto de razões: ele como intérprete, como compositor mas, principalmente, como formador da mais nova escola e brilhante escola intrumental do país: a gaúcha, ou pampaneira, para usar o termo que eles gostam.
Semanas atrás coloquei, aqui, vídeo do Yamandu em duo com Arthur Bonilha, ambos valendo-se do mesmo estilo ensinado por Yanel. O que se assistia eram dois violonistas tocando de igual para igual. Dois violonistas sempre podem tocar de igual para igual, mas quando um deles é Yamandu e, de repente, você se depara com dois Yamandu, é milagre. Aí você ouve Gabriel Selvage, e três milagres na mesma região exigem um santo protetor.
Infelizmente Bonilha faleceu em maio, em acidente automobilístico, aos 34 anos de idade.
E aí entramos na história de Yanel e do novo fenômeno da música instrumental brasileira, os gaúchos e seu som pampaneiro.
Gabriel nasceu no campo. Desde criança, criava cavalos. Mantem o hábito da bombacha, que não tirou nem quando excursionou pela Europa. Aos 12 anos ganhou um revólver, que mantinha na cabeceira da cama, para se prevenir contra a violência da região onde morava. Ele narrando os acertos de contas por lá ajuda a entender a razão da violência ancestral brasileira, aliás. O interior gaúcho ainda guarda a herança de violência dos Farrapos
Aos 14 anos vou trabalhar fora de casa, cuidando de cavalos.
Passou a aprender violão e decidiu ter aulas com Yanel. Da sua casa até a cidade onde Yanel morava, na grande Porto Alegre, eram 400 km. Ele viajava de ônibus o dia todo, tinha as aulas e, quando perdia o ônibus de volta, dormia na casa do mestre
As aulas consistiam em vê-lo tocando e pedir-lhe que ensinasse na prática seu modo de tocar. Yanel não lê partituras, não tem a menor ideia sobre as notas. É um gênio intuitivo em estado puro.
Sua vinda ao Brasil é uma epopeia.
Nos anos 70 foi excursionar pela Rússia, uma série de concertos de músicos latino-americanos, dentre os quais muitos brasileiros. Encantou-se com a música do país e, na volta, decidiu parar no Recife
Acabou voltando para a Argentina, mas os sons do Brasil já o haviam capturado. Decidiu radicar-se em São Paulo. Aproveitando sua vinda para o Brasil, um amigo pediu-lhe que passasse por Porto Alegre para entregar umas partituras para um amigo que morava lá
O amigo, em questão, tinha um filho de dois anos, de nome Yamandu, e pronúncia Diamandu.
Yanel entregou, estava tarde e acabou dormindo na casa. De manhã, a mãe de Yamandu acordou e se surpreendeu com o violão que jorrava da sala. Imediatamente acordou o marido para informar que o visitante era um gênio do violão.
Nunca mais o deixaram sair. Yanel se fixou por lá, em uma cidade próxima a Porto Alegre e passou a inundar o fechado mundo gaúcho com sua arte.
Ajudou a formar uma das mais brilhantes gerações de violonistas do país – a julgar pelos três que conheci, Yamandu, Bonilha e Gabriel.
Há alguns anos mudou-se para Caxias. Mora de aluguel, vive de aulas e tocando em botecos.
Já entrei em contato com ele para montarmos uma noite paulista-gaúcha em São Paulo, para apresentar essa brilhante geração aos paulistas. O prefeito Fortunati, de Porto Alegre, topou. Nos próximos dias tentarei que o Danilo, do Sesc, ajude a montar o lado paulista.
Aí se verá ao vivo alguém que, ainda em vida, já é uma lenda.
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