Paulo Muzell
15/03/13
Um troca inconveniente
O jornal Zero Hora, na edição do dia 9 de março passado, veiculou uma notícia surpreendente: a juíza Simone Barbisan Fortes, titular da Primeira Vara da Justiça Federal de Santa Maria pediu neste mês de janeiro passado sua transferência para Florianópolis.
Justamente agora, neste início de 2013, no momento em que ela anunciava que no final deste primeiro semestre, muito possivelmente, “bateria o martelo” sobre a sentença” dos 31 réus do processo do rumoroso caso DETRAN. A importância do processo, nunca é demais lembrar, decorre do montante dos valores desviados – corrigidos e expressos a preços de hoje são mais de 60 milhões de reais –, e dos nomes das pessoas envolvidas, figuras importantes da política gaúcha.
Os desvios tiveram origem no governo de Germano Rigotto (2003/2006) e foram denunciados em março de 2007, seis anos atrás. A Operação Rodin, que prendeu alguns envolvidos, completou no início de novembro passado cinco anos. Na longa lista de indiciados destacam-se os nomes de José Otávio Germano (ex-deputado estadual e federal, Secretário de Segurança do governo Rigotto), Flávio Vaz Neto, ex-presidente do DETRAN, Fernando e Ferdinando Fernandes irmãos e proprietários da empresa Pensant, Luiz Paulo Germano, advogado, irmão de Otávio Germano, Carlos Ubiratan dos Santos, ex-diretor do TRENSURB, Antonio Dorneu Dorneles, ex-diretor-geral da Assembleia Legislativa, RS, figura influente no PP, já falecido.
Causa desconforto e é difícil explicar o contraste entre a rapidez do julgamento da ação penal 470 no Supremo, o “famoso mensalão do PT” e o lento arrastar-se das demais denúncias de irregularidades contra políticos de outros partidos. Como este caso DETRAN, que entra no seu sétimo ano e que terá, muito provavelmente, mais um ou talvez até dois anos antes ser concluído.
O jornalista Paulo Moreira Leite em seu livro “A outra história do mensalão: as contradições de um julgamento político” assinala com propriedade que apanhados num esquema semelhante, políticos do PSDB-MG tiveram uma “tratamento bem mais brando: o desmembramento foi um benefício importante para que melhor organizassem suas defesas.” Moreira sintetiza com muita propriedade que no caso do “mensalão do PT” tivemos “provas fracas e penas robustas”. E que o “furor punitivo” que contaminou quase todas “excelências” do Supremo, extrapolaram os limites mínimos do bom senso e do decoro. Moreira aponta como exemplo o voto do ministro Celso de Mello que autorizava o Supremo a definir a perda dos mandatos dos parlamentares condenados, o que claramente contraria o artigo 55 da Constituição, pois fere o princípio da independência dos poderes. Cassar mandatos é atribuição exclusiva do legislativo Observa, também que o Supremo, a grande imprensa – o Estadão, a Folha, a Globo, dentre outros veículos -, tentaram transformar o “mensalão” no Thermidor de Lula e do PT. Não conseguiram. E lembra, oportunamente, a lição da Revolução Francesa. Aberto por Robespierre, um juiz implacável no combate a corrupção. Ele iniciou um processo que acabou por vitimá-lo, reduziu liberdades democráticas, concentrou poderes e que culminou num retrocesso: a restauração da monarquia.
Assumiu a Primeira Vara, substituindo a juíza Simone o juiz Loraci Flores de Lima, afirmando que “não há maior dificuldade no caso da operação Rodin”, mas que desconhece o alentado conteúdo do processo que tem – pasmem – mais de 120 mil páginas, o maior da história da Justiça Federal do Estado. Reconheceu que a sentença vai atrasar mais ainda, não se arriscando a definir prazos possíveis.
A matéria de ZH informou, também, que dia 12 de março encerrava-se o prazo para a entrega à Justiça as 150 contas bancárias dos indiciados no Processo. É de se estranhar que uma informação desta importância – peça básica do processo – só esteja disponível muitos anos depois do início da sua tramitação.
A saída da juíza – decorrente de um pedido de transferência feito por ela – é, sem nenhuma dúvida, fato inconveniente e estranhável. Independente de motivações pessoais que tenham influído na decisão da magistrada, a troca tornará mais distante a sentença final, “esfriando a memória dos fatos” e beneficiando a estratégia protelatória da defesa.
Num processo judicial desta importância – pelos milhões de recursos públicos desviados, pela notoriedade pública de algumas personagens envolvidas e a consequente repercussão na opinião pública – não é possível que tramite por cinco ou seis anos sem que haja sentença. E que ocorra o pior: que às vésperas do “bater martelo” ocorra uma inexplicável substituição.
Fatos como esse explicam o crescente desprestígio do Poder Judiciário junto à população brasileira.
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