A direita se assanha
No seu artigo de hoje para a “Folha”, Vladimir Safatle escreveu tudo o que eu gostaria de dizer a respeito dos distúrbios em Londres e da reação do primeiro-ministro David Cameron ao ocorrido.
Pelo menos Cameron mostrou o que o pensamento conservador pode nos oferecer hoje: ladainhas morais em vez de ações enérgicas contra os verdadeiros arruaceiros, ou seja, esses que operam no sistema financeiro internacional.
Enquanto isso não ocorrer, jovens roubando lojas de iPads e tênis continuarão dizendo: não aceitaremos estar fora do universo de consumo e sucesso individual que vocês mesmos inventaram. Nós entraremos nele, nem que seja saqueando.
Bravo, Safatle!
Sem saber do artigo dele, escrevi coisas parecidas para a “Ilustrada” de amanhã.
Numa sociedade desenvolvida, os saques foram chocantes. Não se tratava de pegar leite ou batatas num supermercado. Os desordeiros queriam DVDs, Ipads, Blackberrys ou não sei mais o quê.
Teoricamente, isso seria um sinal de “imoralidade”. Saques motivados pela fome? Podemos entender. Saques motivados pelo luxo, eis algo inadmissível.
Será? Toda a estrutura de nossa sociedade afirma que sem um tênis Nike, um Ipad, uma camiseta de grife, você não é nada.
Esses badulaques se tornaram, assim, artigos de primeira necessidade.
O saqueador alcança, rapidamente e sem punição à vista, o passaporte que irá levá-lo a conquistar as mulheres mais bonitas e o respeito de seus pares.
É mais do que simplesmente alimentar-se e sobreviver. Trata-se de existir.
Ao mesmo tempo, o saque é ambíguo. Representa, em doses iguais, revolta e adesão. Destruo aquilo que eu desejo. Arrebento a vitrine que me separa do paraíso, mas também escolho, definitivamente, o caminho da danação.
Na violência dessas desordens, vejo ao mesmo tempo denúncia e cumplicidade.
Sabemos perfeitamente que uma grife não significa coisa nenhuma. Sabemos que todo o consumo contemporâneo está montado numa mentira.
A mentira da propaganda se duplica em outras mentiras, em incontáveis mentiras.
Uma agência de risco mente quando eleva ou rebaixa o risco de um país. Um país mente quando imprime moedas ou títulos da dívida que, promete, irá pagar.
O consumidor mente quando usa um cartão de crédito cujas mensalidades não sabe bem como ficarão.
Na própria palavra (cartão de crédito) pode-se ler “acreditar”.
O consumidor acredita, por sua vez, que é escolha sua um produto cientificamente elaborado para suscitar os seus desejos.
Você sabia que até o cheiro de carro novo é produzido por um “spray”?
É o que leio num livro recente de Martin Lindstrom, guru dinamarquês do marketing e do “branding”. Chama-se “A lógica do consumo” (editora Nova Fronteira).
Eles estão usando técnicas da neurociência para chegar mais perto da mentalidade dos consumidores.
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